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São Paulo, janeiro/fevereiro de 2009
Ano 4 N.22  

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  • LOGRADOUROS

  • Fotografia e os logradouros da cidade


    Existe algo de paradoxal na relação entre fotografia e a cidade de São Paulo. A produção de imagens urbanas veio a constituir uma das vertentes mais significativas desde a introdução da fotografia em sua diversidade de formas. Como registros oficiais ou como imagens simbólicas para consumo de seus habitantes e visitantes, este campo apresenta uma geração contínua, permitindo a análise extensiva sobre os modos de uso do meio e mudanças na percepção da cidade e as representações decorrentes.

    Nesse processo, em especial na segunda metade do século XX, e através do desenvolvimento dos segmentos de história da cidade e da história da fotografia local, muitos fotógrafos se revelaram autores privilegiados. Seja por projetos desenvolvidos diretamente sobre o tema da cidade, seja como resultado de produções continuadas em segmentos diversos, como jornalismo, que geraram ao longo do tempo extensos conjuntos fotográficos. Nas últimas décadas, houve ainda o surgimento de novas modalidades, como o da antropologia visual — e tantas outras derivações —, que expandiram o conjunto imagético. Nesse processo, extenso e diversificado de geração e legitimação de imagens, há espaço ainda para deslocamentos de fotografias geradas em segmentos extremos ou produções pontuais que passam a ser entendidas em determinado momento como parte da identidade urbana.

    Assim, indo além da representação da cidade através da imagem, surgem seus autores. Nomes tão tradicionais como Militão Augusto de Azevedo (1837-1905) ou Guilherme Gaensly (1843-1928), ou outros incorporados à esfera pública em momentos mais recentes como Vincenzo Pastore (1865-1918) ou Aurélio Becherini (1879-1939).

    As imagens da cidade realizadas por estes autores, presentes nas mais simples manifestações sobre a memória da cidade, surgem muitas vezes de forma anônima, mas ainda assim é crescente o conhecimento difuso sobre seus realizadores. Isso sem mencionar a produção historiográfica sobre este campo nas décadas recentes, tanto na produção acadêmica como no mercado editorial, além da recuperação de acervos e de outras ações similares.


    Nessa perspectiva, é surpreendente identificar que a relação entre a cidade e seus fotógrafos não se revele — em horizonte mais expandido — como homenagem, como reconhecimento, nos nomes dos logradouros da cidade.

    Forma recorrente da cidade homenagear personalidades, seja a municipalidade, seja a sociedade civil, tal modalidade não parece ter sido atribuída a nenhum nome significativo. Ainda que se possa argumentar que ao longo do tempo diferentes grupos sociais possam ter adotado outras formas de reverenciar determinadas personagens, é necessário apontar esta ausência.

    Se acessarmos o banco de dados da Seção de Denominação de Logradouros Públicos, setor do AHMWL que tem por função assessorar o poder público nessa atribuição, não será possível encontrar os nomes mais significativos.


    Pioneiros

    Tal ausência poderia ser objeto de considerações. No entanto, não é este o momento para análise. Mais relevante é apontar alguns nomes isolados, cuja ocorrência parece ocorrer antes de tudo como referência genérica ao homenageado, muitas vezes conhecido naquele contexto por uma produção mais extensiva do que sua particular contribuição para a fotografia.

    Um primeiro caso seria a Rua Jules Martins (CEP 03183-120, cadlog 11290), na Água Rasa, cuja denominação foi atribuída em 1924, através da Resolução nº 328, de 1º de outubro. Embora adote a forma Martins, reafirmada em 1978, pelo Decreto nº 15.225, de 16 de agosto, o nome remete a Jules Martin. O logradouro fica entre as Ruas Cuiabá e Emílio Pestana no distrito Água Rasa, subdistrito Alto da Mooca.

    De origem francesa, Victor André Jules Martin (1832-1906) possui uma biografia peculiar. Sua atuação na cidade de São Paulo a partir da década de 1870 apresenta uma diversidade e originalidade impressionante. É difícil estabelecer um recorte adequado numa apresentação tão breve. Atuando em especial na área gráfica, através da Imperial Lithographia a Vapor, Martin será conhecido por iniciativas tanto como autor e editor de estampas sobre a cidade e seus eventos registrados em desenhos litografiados como também por atuações, já no campo fotográfico, como representante na cidade de fotógrafos como Marc Ferrez (1843-1923), conhecido pelo comércio de vistas fotográficas brasileiras. São registradas a exibição dessas imagens nas vitrinas de Martin em 1880, por exemplo.

    Tem-se notícias de outras associações de Martin com membros da comunidade fotográfica. São quase sempre episódicas, no apoio à venda de produtos, como ocorre antes em 1876 ao expor vistas realizadas pelo itinerante Walter Bradley ([1813-1891]) quando Martin ainda mantinha seu escritório no Largo do Rosário. Ação similar terá Martin com o fotógrafo George Renouleau (1845-1909), seu genro.

    No entanto, Jules Martin tem sua marca mais conhecida, e sua contribuição de maior envergardura, na empreitada que ergueria o primeiro Viaduto do Chá entre 1889 e 1992. A maior construção metálica que a cidade já vira ligava o antigo centro da cidade com uma área de expansão a oeste, vencendo o vale do Anhangabaú, até então uma depressão profunda a marcar a paisagem com plantações e vegetação esparsa.

    Outra iniciativa de Martin, muito conhecida, não será concretizada. Trata-se de sua proposta para erguer as "Galerias de cristal", importando assim uma forma de construção comercial que então alcançava seu auge na Europa. Para isso Martin consegue concessão, em 1896, da municipalidade. O gesto será infrutífero, embora tenha seu autor conseguido a prorrogação do prazo até 1904, pouco antes de sua morte.


    Outro logradouro que pode ser mencionado é, como no caso da Rua Jules Martin, a pequena quadra que une o Parque Dom Pedro II e a Rua Vinte de Março, homenageando Hércules Florence. A denominação é estabelecida em 23 de fevereiro de 1934 através do Ato nº 568: Rua Hércules Florence (CEP 01015-060, cadlog 08734).

    Antoine Hercule Romuald Florence (1804-1879), como Martin de origem francesa, é hoje reconhecido internacionalmente por sua contribuição em pesquisas que levaram ao desenvolvimento do processo fotográfico pouco antes do anúncio da invenção em 1839. Sua atividade ocorre em paralelo às investigações desenvolvidas na Europa por nomes como Louis Daguerre ou William Talbot, quando estava estabelecido no interior do Estado de São Paulo.

    A homenagem prestada em 1934 deve-se, na falta de documentação detalhada, ao seu trabalho como desenhista participando da expedição científica organizada pelo Barão George von Langsdorf, que percorreu o interior do Brasil entre 1825 e 1829. O empreendimento acaba recolhendo e produzindo um extenso conjunto documental sobre o País, dentre as quais as imagens realizadas por Florence. A difusão intensiva destes desenhos, com cenas de costumes, vistas das cidades e paisagens naturais será um dos pontos mais conhecidos na carreira de Hércules Florence.

    Suas pesquisas sobre o processo fotográfico, embora conhecidas, serão fruto de estudo na década de 1970 por Boris Kossoy. O autor, um dos primeiros especialistas em história da fotografia no Brasil, conseguirá reunir extensa documentação e ainda comprovar o reconhecimento científico das investigações de Florence.


    Uma última referência cabe ainda à pequena Rua Curt Nimuendaju, em Perdizes (CEP 05015-010, cadlog 05623), travessa da Rua Ministro Godoy. Através da lei nº 5.653, de 21 de julho, é homenageado o etnólogo alemão Curt Unkel (1884-1945). Chega ao Brasil em 1903 e passa a desenvolver sua produção científica no Oeste paulista então em processo de integração econômica, com a expansão do café e outras atividades. Estuda a língua e a cultura de diversos povos indígenas da região; sua produção posterior enfocará grupos indígenas da Amazônia e Brasil Central. Recebe o sobrenome em tupi — Nimuendaju a ele atribuído pelos apapocucas, de língua-guarani.

    A contribuição para o campo da documentação etnográfica realizada diretamente por etnólogos e antropólogos começou a ser reconhecida além de seus contextos de origem nas últimas três décadas. Tem pouca relação, porém, com o tema urbano aqui enfocado.

    É necessário apontar algumas ocorrências que podem ser mal interpretadas. Um exemplo é o caso da Rua William Fox na Lapa. Não se trata de uma referência a William Fox Talbot (1870-1877), inglês, inventor do processo fotográfico negativo/positivo em 1839 que seria conhecido como talbótipo (e ainda calótipo). O logradouro é uma homenagem ao produtor cinematográfico norte-americano William Fox (1879-1952), um dos fundadores da empresa Fox Film na década de 1920, sucedida pela 20th Century Fox.


    Outras abordagens

    Seria possível estabelecer outras abordagens entre a cidade e a fotografia. Uma dessas possibilidades, atendo-se o enfoque ao campo dos logradouros, seria apontar a concentração física de profissionais e serviços em determinadas regiões da cidade.

    Assim como alguns pontos da metrópole são amplamente conhecidos pelo comércio especializado, a exemplo do Bom Retiro e o segmento de roupas ou então o eixo da Rua Santa Ifigênia por suas lojas de produtos e peças de eletrônica, algumas regiões ganhariam notoriedade pela presença de comércio voltado para o segmento fotográfico.

    Desde o final da década de 1950, a Rua Conselheiro Crispiniano, no Centro Novo, junto à Praça Ramos de Azevedo, apresentava uma concentração de lojas de produtos e serviços entre elas algumas que nas décadas de 1970 e 1980 manteriam pequenas redes pela cidade como Cinótica e Fotóptica. Além destas lojas, o local acabou concentrando serviços de assistências técnicas, laboratórios e outros fornecedores para profissionais.

    Ainda hoje esta concentração é facilmente reconhecível, embora o mercado fotográfico tenha sofrido modificações severas de forma e conteúdo. Em menor grau, outros logradouros, ainda na área central, terão em alguns momentos da década de 1990 um presença expressiva de comércio, nestes casos dirigidos a profissionais com venda de produtos ou serviços de fotoacabamento, como a Rua Antonio de Godoy, entre os Largos do Paiçandu e de Santa Ifigênia, ou a Avenida Liberdade, no trecho de sua confluência com a Rua Dr. Rodrigo Silva.


    Analisar a concentração de estúdios fotográficos é uma outra estratégia. Porém, exigiria rigor documental e recorte temporal preciso, considerando a diversidade crescente do setor desde o final do século XIX. Além do mais, este aspecto não parece ter-se tornado objeto consensual na percepção dos habitantes da cidade, como é o caso da Rua Conselheiro Crispiniano. Num quadro recente, ao longo de quase duas décadas, porém, seria plausível apontar bairros como Vila Olímpia ou partes da Vila Madalena como locais de concentração de estúdios, em especial aqueles dedicados a fotografia publicitária ou de moda. Essa aparente concentração surge muitas vezes sujeita a vetores como a presença de clientes em potencial, como agências de publicidade ou muitas vezes pelo baixo custo de instalações para estúdios. Com a variação regular dessa dinâmica, essas concentrações tendem rapidamente a sofrer alterações, às vezes em períodos curtos de cinco a dez anos.



    Fontes
    • SÃO PAULO (Cidade). AHMWL. Banco de dados da Seção de Denominação de Logradouros Públicos. (fichas referentes às ruas mencionadas no texto).

    Para citação adote:

    Fotografia e os logradouros da cidade.
    INFORMATIVO ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL, 4 (22): jan/fev.2009 <http://www.arquivohistorico.sp.gov.br>

    Serviços: A Seção Técnica de Logradouros é responsável pela pesquisa e orientação aos interessados sobre nomes de logradouros paulistanos. A documentação está disponível para consulta através do atendimento ao público.
    Conheça também o site Dicionário de ruas (parceria AHMWL e Plamarc), onde através de um banco de dados é possível realizar pesquisas sobre denominações de logradouros paulistanos.

     
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    coordenação
    Liliane Schrank Lehmann

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