PMSP/SMC
São Paulo, março de 2013
Ano 8 N.32 

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  • ENSAIO TEMÁTICO
  • Cinema silencioso no acervo do AHSP

    contribuição para a história da tecnologia de projeção
    da imagem em movimento




    | A legislação como fonte | A projeção | Os manuais | Por fim, os depósitos | Fontes |



    Checando os manuais

    O sistema de retroprojeção cinematográfica em aplicações comerciais é praticamente desconhecido até mesmo entre os especialistas em história do cinema. Ainda que antes da introdução do vídeo fosse possível identificar seu uso em casos especiais como estandes de venda, poucas são as fontes de referência sobre o sistema.

    O conceito é simples: ao invés de posicionarmos o projetor em frente à tela numa configuração que dominou todo o século XX e delineou umas das figuras do imaginário cinematográfico constituído pela penumbra cortada por um facho de luz, o equipamento é colocado atrás da tela. Que razões levariam à adoção do sistema e o que implica em termos práticos?

    Raros manuais sobre técnica de projeção ou arquitetura cinematográfica trazem alguma referência sobre o sistema. Por exemplo, o livro La salle de cinéma moderne, de G. Lechesne, lançado em 1955, traça extenso panorama técnico sobre a edificação e seus equipamentos, reproduzindo inclusive a regulamenção francesa. Ocorrência única é a menção, no item sobre posicionamento da cabine de projeção, ao fato da primeiras salas terem eventualmente a cabine situada atrás da tela. Suas dimensões médias eram de 1,60 x 1,60 m com altura de 1,90m, abrigando um único projetor, medidas muito próximas das ocorrências identificadas na documentação custodiada pelo AHSP.

    A consulta a uma relativamente farta bibliografia sobre salas de cinema na Europa e na América, a qual se pode agregar a produção brasileira, apenas confirma a inexistência de dados técnicos sobre sistemas de projeção e aponta para uma concentração de estudos a partir da constituição do palácio de cinema na década de 1920. Sobre as condições de projeção fora das áreas centrais, o cinema de bairro surge mais como parte de uma mitologia do que estudos históricos propriamente. A "periferia" do sistema de exibição comercial recebe pouca atenção além do registro isolado, quando muito apontando o que há de precário, de "exótico".

    Ainda assim é possível identificar fontes úteis. Maggie Vallentine, em The show starts on the sidewalk, editado em 1994 pela Yale University Press, apresenta a produção de S. Charles Lee (1899-1990), arquiteto norte-americano, responsável por projetos de grande número de salas entre 1920 e 1950. Merece atenção na parte inicial a detalhada tipologia e a linha de desenvolvimento que a autora define sobre os espaços de exibição. Infelizmente, essa evolução deve ser tomada como modelo, considerando que as condições históricas regionais nas duas primeiras décadas do cinema podem registrar adaptações ou configurações inesperadas como parece ser a predominância relativa do sistema de retroprojeção no panorama paulistano.

    Projeção direta ou por transparência: como escolher

    É o caso de comentar, retrocedendo para uma referência já inserida no recorte temporal que nos interessa, o livro Le cinéma scolaire et éducateur, de Eugène Reboul, editado em 1926. Elaborado como manual abrangente sobre o uso do cinema na sala de aula, o autor acaba por revelar razões práticas para adoção de determinadas práticas. No segmento A tela (REBOUL, 1926, p.66-73), ao analisar as condições das salas usadas numa escola, o autor aponta que as dimensões mais usuais de 15 a 20 metros de comprimento não permitiam mais o uso de um projetor normalmente disponível nas escolas francesas. Esses projetores adotavam fontes de luz que, quando novas, permitiam no máximo uma distância tela/projetor entre 8 a 10 metros.

    A solução recomendada é a projeção por transparência. Surge aqui uma terminologia simples, que data da década de 1910 pelo menos. A projeção frontal, como dizemos hoje de forma pouco precisa, com o projetor atrás do espectador, recebe o nome de projeção direta (ou ainda por reflexão) e à retroprojeção cabe o termo por transparência.

    As primeiras consequências práticas ficam claras. Se na projeção direta um aspecto fundamental é garantir uma tela com alto índice de reflexão e opaca, na qual o ganho está em garantir esses aspectos, como também controlar o ângulo de reflexão reduzindo a dispersão, na projeção por transparência a escolha do tecido para a tela não busca mais um material espesso, mas de maior transparência. Reboul indica a chita (calicot) como escolha mais usual.

    Se o tecido for muito transparente, surge novo problema, pois ele permite ver a fonte de luz ao fundo, invadindo a imagem projetada, criando uma situação de desconforto visual. Um tecido com trama muito fechada, por sua vez, absorve mais luz e a imagem projetada perde impacto visual com a redução da intensidade luminosa.

    A essas dificuldades soma-se a escolha da objetiva. Como usual na retroprojeção a distância disponível entre a tela e o projetor é menor, se não quisermos reduzir o número de assentos para espectadores, e portanto a dimensão da tela é reduzida, como evidenciam os projetos para salas paulistanas do período, em especial as de bairro, por exemplo. Para evitar isso, a opção é empregar uma objetiva de distância focal curta, o que implica muitas vezes em substituir a objetiva disponível.

    Esses são os dois aspectos diretos – adequação da tela e da objetiva – que resultam no uso do sistema de projeção por transparência. Retomemos a questão da tela: além da escolha do tecido adequado uma prática usual será procurar aumentar a transparência por métodos auxiliares. A recomendação será molhar a tela a cada exibição, com uma esponja ou bomba (pompe) de jardim como indica o autor, começando pela parte superior. Como a água evapora rapidamente numa sala cheia (e portanto com temperatura ambiente alta) deve-se misturar glicerina à água numa proporção de 10 a 15 por cento.

    Outra consequência prática da adoção da retroprojeção é a inversão do lado da película projetada de modo a garantir a projeção sem rotação horizontal da imagem final.

    As recomendações apresentadas nessa edição de 1926 permitem entender efetivamente um raro aspecto técnico registrado sempre como curiosidade pela historiografia brasileira. O gesto de molhar a tela constitui registro único, reminiscênia bem conhecida, embora mal interpretada. O temor do fogo é sempre a associação feita e nunca a relação com o sistema de projeção.

    Tito Meyer, em breve registro sobre o cine Cambui na cidade homônima mineira (MEYER, 1992), delineia uma sessão de cinema na década de 1920 com a presença de pianista e de um técnico atrás da tela que improvisa efeitos sonoros (uma sonoplasta, para utilizar um termo adotado anos depois). Meyer reproduz texto de Levindo Lambert, provavel familiar do pianista daquela sala, Cornélio Lambert, publicado no jornal A Montanha, em 30 de janeiro de 1949:
      A projeção era feita por trás da tela, e o Abel Guimarães se incumbia de, em cada intervalo do filme, molhá-la intensamente. E é justamente por causa do Abel Guimarães, um português fino e astuto, que estou redigindo aqui, currente calamo, estas notas ligeiras. Isso, porque entendo que Abel Guimarães foi precursor do cinema falado. Ficava ele por trás da tela de martelo, bigorna e outros petrechos ruidosos e sonoros, para no momento exato, produzir o som ou o ruído que o drama ou a comédia representavam. As vezes o estampido do revólver do Abel não coincidia com o do drama, mas a valsa langorosa do Cornélio desviava a atenção dos espectadores. E tudo ia, afinal de contas, magnificamente bem lá pelos bancos compridos, que enchiam a pequena sala, toda às escuras...

    Outro registro, na mesma direção, é feito por Alcebiades Felix, em artigo na imprensa da cidade paulista de Serra Negra (FELIX, 2005), indicando provavelmente sua ocorrência na década anterior:
      O cinema em Serra Negra surgiu logo no início do século com a inauguração da primeira casa de exibições cinematográficas em 18 de dezembro de 1909. O primeiro cinema localizava-se na Praça Lourenço Franco de Oliveira e chamava-se Joly Cinema.

      Mas, logo depois surgiu um novo cinema chamado Cinema Central de propriedade do Sr. João Tozzini e localizava-se em frente ao Mercado Cultural, onde antigamente funcionava o Clube XV de Novembro.

      Naquele tempo os cinemas eram mudos e o seu funcionamento era o contrário dos cinemas de hoje. A sua projeção era feita por trás da tela. Nos intervalos, um funcionário precisava molhar a tela para que a imagem aparecesse mais nítida.

      No Cinema Central quem exercia essa função era um funcionário muito popular chamado Castrim. Na cidade era muito conhecido, principalmente pela risada que acostumava dar. Era muito bondoso e de vez em quando acostumava "amarrar um fogo".

      Castrim, além de molhar a tela exercia também a função de escrever nas ruas e praças a propaganda dos filmes que seriam exibidos em seu Cinema Central.

    O texto introduz um aspecto muito oportuno: molhar a tela aumentava a transparência, e se o responsável não garantisse continuamente essa condição, a superfície, reduzida a transparêcia, daria à imagem projetada um efeito de menor nitidez.

    Molhar a tela é prática, como indicam os exemplos, adotada no sudeste brasileiro. Na cidade de São Paulo, um único registro pode ser identificado, em 1914, de forma enviezada. O inquérito que investigou o incêndio no Cinema Theatre, à Rua General Jardim, revelaria o caráter criminoso do sinistro:
      Os peritos encontraram dez focos preparados pelos proprietários para que ardesse o edifício.

      Todas as cadeiras estavam amontoadas num só ponto, vendo-se em baixo uma lata de querozene, líquido esse que foi derramado por todos os ângulos, até mesmo nas tesouras do edifício.

      A luz elétrica estava acesa; os ventidores funcionavam com grande velocidade.

      No palco viam-se estopas com querosene de que se achava embebido até mesmo o esguicho próprio para molhar a tela.
      (nosso negrito)

    Um último exemplo é dado por figura importante do cinema brasileiro, o ator e diretor Anselmo Duarte (1920-2009). Nascido no interior paulista, na cidade de Salto, Anselmo conta em seu depoimento para o site Memória Viva (2004) sua infância, quando era responsável por molhar a tela no Cine Pavilhão, época em que ganha o apelido de Russo Louco.
      Pouca gente sabe que se molhava a tela no cinema porque é bem diferente hoje. Mas eu estou me referindo ao cinema mudo. Aí dizem: “O Anselmo é mentiroso”. Quando não querem chamar de mentiroso, chamam de “criativo”. Mas é verdade. O pior é que as testemunhas já morreram. Eu sou o cara mais antigo daqui. Mas o Cine Pavilhão era assim. O projetor de filme ficava atrás da tela, que era um pano. Quando batia luz, passava para o outro lado. Assim era o cinema mudo. Pelo menos aqui em Salto. Antigamente era uma lente grande angular, na qual a imagem sai e já abre. Então ficava perto da tela, a uns 5, 6 metros, atrás. Era um só projetor e a cada dois rolos tinha um intervalo de dez minutos. Então tinha sempre dois garotos com uma seringa – feita num gomo de taquara com um courinho na ponta – que sugava e espirrava água. A gente ficava com aquele troço molhando a tela. Você viu O crime do Zé Bigorna ([1974, 1977]) ? Não tem a cena lá, eles molhando a tela? Eu reproduzi essa cena, só que não eram dois meninos, eu botei o Lima Duarte e o Stênio Garcia.

      E como era o público do Pavilhão?
      Ah, tinha o diálogo com o público! Era um cinema poeira. Então todo mundo falava, gritava. Durante o filme, todo mundo conversava. Jogavam coisas na tela. E, nos intervalos, a gente jogava água na tela, para esfriar. Conforme a água batia na tela, ficava escuro. Aí o público, que estava do outro lado, fazia assim
      (colocando as mãos em concha na frente da boca): “Mais para o centro, seu burro!” E a gente jogando água. “Mais no meio, eu falei!” Ninguém me conhecia por Anselmo, ninguém me chamava assim porque achavam um nome meio “amanteigado” e eu era briguento. Eu era loiro e me chamavam de Russo Louco. Aí diziam assim: “Ô, Russo Louco, aqui embaixo, seu burro!” E eu: “É a puta que o pariu”. Porque a gente xingava também. E tinha outro amigo meu, o Zé Panela. Era aquele diálogo de xingação, era uma briga gozada através da tela. E quando estava terminada, eu dizia assim: “Agora vá todo mundo à puta que os pariu”. E o pessoal gritando: “É louco! É o Russo Louco!” Era uma pândega. As sessões eram concorridíssimas.

    É oportuno lembrar que no depoimento Anselmo Duarte use a expressão "a gente jogava água na tela para esfriar", mantendo a associação corriqueira do gesto com a prevenção a incêndio. As salas improvisadas, em especial, se retrocedermos duas décadas, ao final dos anos 1900 deviam ser, de qualquer forma, "infernais".

    Lotadas, sem controle de lotação máxima, sem sistemas de ventilação eficientes, tomadas por um público ávido por diversão barata (e moderna), os ambientes eram sempre quentes. O que não causa surpresa encontramos em muitas delas, quase sempre adaptações, janelas, que permitiriam alguma renovação de ar durante os intervalos de sessões. Ventiladores mecânicos e venezianas serão identificados em vários projetos de cinema de São Paulo em pranchas existentes no acervo AHSP, sendo a ventilação um item de atenção dos fiscais, embora ainda sem critérios físicos estabelecidos.

    A situação devia ser similar em outros países. É o que parece indicar anúncio publicado em Il cinematografo: manuale di cinematografia, de autoria de F. Paul Liesegang, numa edição de 1909, da empresa milanesa Ercole Marelli & Co, que oferece ventiladores de teto - "Mais de 200.000 ventiladores e motores Marelli funcionam no mundo" (LIESEGANG, 1909, n.p.).

    O exemplar consultado, na coleção do Museu Lasar Segall (SP), apresenta dados secundários, mas relevantes em parte. Ele indica, em carimbo de doação, ter pertencido ao cineasta Adhemar Gonzaga (1901-1978), um dos fundadores da revista Cinearte (1926-1942) e criador dos estúdios Cinédia (1930). Esse dado é valioso por garantir em parte a referência a uma fonte com circulação no país. No entanto, o livro, como pode hoje induzir o título, não trata de captação de imagens e edição, enfim a realização cinematográfica, mas da exibição.

    Trata-se de um manual voltado para o interessado na exibição comercial. Detalha equipamentos, discute fontes de luz, operação da sala... Em seu apêndice, às páginas 395 a 428, a publicação transcreve as normas para operação de salas de cinema nas cidades de Turim e Milão, ambas as regulamentações datadas de 1908. O texto comenta ainda a inexistência na Itália de uma legislação para implantação de salas, com exceção das cidades mencionadas.

    As orientações indicadas pela publicação são as adotadas em São Paulo a partir de 1916, e antes disso como consenso prático da fiscalização. Garantir o isolamento anti-incêndio da cabine, adotar acesso à mesma independente da sala de exibição. A legislação de Milão especifa ainda a incombustibilidade da escada de acesso, a adoção de portas de saídas da sala de exibição abrindo para fora. Há referência na publicação a restrição da guarda de filmes na cabine apenas aos filmes programados. Em ambas as cidades italianas exige-se o uso de bobinas de alimentação e coleta do filme exibido em estojos metálicos fechados.

    Il cinematografo inclui, às páginas 289-304, um capítulo "Sobre os perigos de incêndio durante a representação cinematográfica", focado na operação do projetor. Antes, porém, no segmento "A tela", às páginas 245-248, o autor comenta as projeções direta e por transparência, indicando o uso desta na exibição por ambulantes.

    Para a projeção direta o autor recomenda o uso de tecidos especificos para esse fim ou o uso de tecidos de algodão ou linho, com aplicação de emulsão líquida para aumento do índice de reflexão e ocultação da trama, utilizando para isso misturas a base de cola e branco de zinco ou magnésia.
      Quando as projeções são feitas no lado de trás da tela, esta deve ser muito transparente, e feita se possível de um tecido sem costura. Normalmente utilizam-se tecidos de algodão, que estão disponíveis com largura de até 5 metros. Quando é necessário utilizar uma tela composta (de vários segmentos), deve-se procurar que a costura seja disposta horizontalmente, pois desta forma há menos perturbação para a visão do que poderia acontecer se ela cortasse a imagem de cima a baixo. Para tornar transparente a tela, banha-se abundantemente o tecido, porque no estado seco, o tecido absorve muita luz. O tecido durante a projeção, especialmente em ambientes quentes, fica seco muito rapidamente e as imagens por consequência ficam menos nítidas. Convém assim umedecer a tela de quando em quando. Se adicionarmos à água um pouco de glicerina, o tecido seca mais lentamente. Para umedecer a tela utiliza-se um irrigador ou esponja ligada a uma vara. (...) A tela é esticada sobre uma estrutura de madeira, procurando evitar que haja dobras de qualquer espécie. (LIESEGANG, 1909, p.246)
    Uma última referência a manuais de época é oportuna. Épossível complementar o quadro traçado através do Manuel pratique à l'usage des directeurs de cinéma, des opérateurs et de toutes les personnes qui s'intéressent à la cinématographie: les projections animées, disponível em acervo internacional (veja > Gallica). O título diz a que veio: uma manual para o operador e o empresário das salas de exibição. Quase certo, como no caso do livro de Liesegang (1909) acima mencionado, mas aqui de modo mais amplo, esse gênero de publicações devia procurar atender aos interessados em explorar comercialmente uma oportunidade em expansão acelerada: a sala de cinema.

    Sem data definida, embora o exemplar disponível apresente uma dedicatória datada de 1913, o manual apresenta no capítulo III todos os aspectos para uma instalação completa de um cinematógrafo. Ali, à página 66, quando analisa com detalhe a concepção da sala de exibição o sistema de projeção por transparência surge, como nos demais manuais citados, como uma possibilidade e não como prática dominante. Um pouco mais a frente, às páginas 75-77, no segmento A tela, é abordado o sistema de retroprojeção:
      Em todas as salas que possuem um palco bastante profundo para instalar uma cabine é habital operar por transparência. Este sisteme leva a uma eventual redução de luminosidade mas tem múltiplas vantagens. Primeiro, ele isola o operador, separando de qualquer distração; em seguida a projeção torna-se mais misteriosa. No caso de projeção com área reduzida faz-se uso na tela de papéis para desenho de arquitetura, papel oleado, pano com goma ou mesmo um vidro despolido muito fino; nos casos mais comuns a chita é a opção mais amplamente empregada. Mas aqui se apresenta a primeira dificuldade: a escolha do tecido. Um tecido muito fino, com trama aberta, permite ver o ponto de luz do projetor de modo desagradável e um tecido muito fechado absorve consideravelmente a luz.

      Para tornar uma tela transparente sugere-se embebê-la com verniz, mas este é um procedimento inadequado: o verniz amarela e racha de forma deplorável. O melhor método é umedecer completamente o tecido utilizando uma esponja grande ou uma bomba de jardim,
      começando pelo alto. Como a água evapora rapdiamente numa sala um pouco superquecida, é necessário adicionar glicerina na proporção de 10 a 15 por cento.

      As telas
      Janus, cuja introdução remonta ao início de 1909, suprimem o ponto luminoso do projetor e, sem modificar a fonte luminosa, elas aumentam efetivamente seu potencial de iluminação à medida que essas telas capturam os raios que eventualmente se dispersariam pela sala; além disso, qualquer que seja o ângulo em que seja feita a projeção, as telas parecem limpas, igualmente iluminadas e com um realce verdadeiramente surpreendente. Enfim, as telas Janus possibilitam projeções em salas com luzes acesas, mas é importante dizer que existe uma relação de intensidades e que as imagens serão tanto mais brilhantes quanto maior a diferença entre a luz dos dois lados da tela; em outras palavras, deve-se evitar que os bicos de gás ou luminárias projetem luz diretamente sobre a tela. De início, calculamos que a distância adequada entre o projetor e a tela é de três vezes a altura desta.

    As práticas para a projeção parecem bem estabelecidas como indicam os manuais citados. Surpreende a referência ao aspecto misterioso que a retroprojeção dá à imagem, talvez pela possibilidade de manter a platéia num ambiente iluminado. O autor, mais adiante no quarto capítulo dedicado às instruções para operação, retoma o ponto: "O procedimento apresenta no nosso ponto de vista uma vantagem apreciável: a de aumentar a ilusão, o mistério..." (p.147).


    "Luz é dinheiro"

    Nenhuma das fontes consultadas, porém, discute aspectos econômicos, sejam investimentos impostos pela adoção de um determinado sistema, sejam reduções de custos. Observe que a adoção da projeção por transparência implica no emprego de uma objetiva de distância focal reduzida. Qual o custo e a disponibilidade desses equipamentos?

    O espaço disponível atrás da tela é ponto relevante. Observamos que a redução da distância entre tela e projetor, nesse caso, implica numa questão adicional frente à exigência de objetivas progressivamente mais específicas. Note que a solução adotada em muitas salas paulistanas leva ao deslocamento da cabine e até mesmo sua edificação desmembrada da sala principal.

    Fica em aberto outro ponto chave: a natureza da fonte luminosa. Nos primeiros anos a diversidade de sistemas é grande, sempre tentando conciliar maior potência luminosa e menor gasto. Em parte, o foco sobre rendimento, a relação custo/benefício, não se altera com adoção da energia elétrica. Ganha-se certamente em segurança, embora com maior dificuldade de emprego em cidades ainda sem fornecimento regular de energia elétrica. Talvez aqui, na escolha da fonte de luz, encontre-se um dos motivos para adoção do sistema de retroprojeção de forma tão disseminada no caso paulistano.

    Podemos acrescentar outros aspectos ao analisar a situação encontrada nos locais disponíveis para implantação de salas. A exibição de cinema temporária em teatros, circos ou salas de divertimentos variados levaria a uma improvisação da cabine de projeção atrás dos espectadores com redução do número de assentos e as consequentes dificuldades de circulação do público e de operação de equipamento. O uso da projeção por transparência eliminaria de imediato esses problemas caso houvesse palco com profundidade adequada para este sistema.

    Outra situação no caso de adaptação de galpões ou mesmo novas construções pode estar relacionada aos terrenos disponíveis na cidade. Na área central, densamente ocupada, ocorrem lotes estreitos e compridos; mas mesmo em bairros próximos esse tipo de loteamento seria comum. Temos assim um terreno retangular com uma relação entre frente e fundo desproporcional. Nessa situação a projeção exigiria equipamentos com alta potência luminosa. Lembre-se que a potência está relacionada com a distância tela/projeto caindo rapidamente com o aumento da distância. A solução seria investir em novas fontes de luz a um custo alto, além da exigência de recorrer a objetivas de foco longo. A adoção do sistema de retroprojeção deve resultar, em parte, desse quadro complexo, frente ao qual investidores com baixo capital têm de improvisar na tentativa de garantir lucros nessa investida comercial que toma todo o planeta.


    Para finalizar seria oportuno comentar o estudo realizado por Yuri Tsivian sobre os primeiros momentos do cinema na Rússia. Publicado no ocidente em 1994, numa versão reduzida que não inclui os capítulos sobre a década de 1920, seu livro Early cinema in Russia and its cultural reception permite entender de forma ampliada em que contexto esta edição do Informativo AHSP procura interpretar esses aspectos da história da tecnologia de projeção da imagem em movimento.

    Recepção cultural é o termo chave para sua abordagem. Por um lado, Tsivian procura entender o espaço de exibição (e sua estruturação ao longo do tempo) como objeto dos estudos da recepção e, avançando, as técnicas de projeção como fatores decisivos para a percepção estética do cinema, temas esses dos dois capítulos iniciais. Isso, para não falarmos da questão levantada no posfácio sobre a necessidade de historicizar o espectador, entendê-lo como público sensível a mudanças em amplo espectro.

    Esse livro constitui uma proposta ousada (e laboriosa). Aqui, atente-se apenas à arquitetura das primeiras salas (TSIVIAN, 1994, p.15-48). O autor definirá ums dos momentos iniciais no contexto russo como o período do "auditório longo". Ao final da década de 1900 era usual a transformação de residências em cinemas improvisados. Com a necessidade de ampliação, paredes eram demolidas e surgiam salas marcadas pelo comprimento expressivo.
      Então tornou-se um hábito demolir as paredes divisórias orientadas para seu uso residencial original, com sua sequência de cômodos. Foi dessa forma que a sala de cinema ganhou a forma de uma galeria comprida. O espaço estreito e longo era a forma mais racional para um cinema. A área efetiva da tela era aumentada colocando-a mais distante do projetor, o que naquele período levou a seu deslocamento das primeiras filas para o fundo do auditório e assim o ângulo de visão dos espectadores nas laterais não ficava muito distante do ideal. Este gênero de auditório não se assemelhava a um teatro, à medida que no teatro as exigências acústicas não permitem que os assentos ao fundo fiquem muito longe do palco; assim entre 1908 e 1915 esse auditório alongado (como "o pescoço de uma girafa") tornou-se aceito como forma distintiva para essa nova modalidade de entretenimento.

      O período do 'auditório alongado' não ultrapassou aquela década; na cronologia da arquitetura ele vem entre o período das salas improvisadas e temporárias e a era dos palácios de cinema da década de 1910. Raros cinemas que sofreram poucas modificações tiveram preservada essa forma arcáica até os dias de hoje; esse esquema coincide - inesperadamente - com a planta da nave das igrejas católicas romanas e protestantes.

    A análise comparativa sobre o desenvolvimento da exibição em outros países fora das principais capitais norte-americanas e europeias pode introduzir novas perspectivas ao estudo da documentação disponível para São Paulo. Essas interpretações, como elementos relevantes para os estudos de recepção de uma linguagem em constituição aos longos dos primeiros dez a vinte anos do cinema, são a principal razão para esse esforço investigativo.







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    Para citação adote:

    MENDES, Ricardo. Cinema silencioso no acervo do AHSP:
    contribuição para a história da tecnologia de projeção da imagem em movimento.
    INFORMATIVO ARQUIVO HISTÓRICO DE SÃO PAULO, 8 (32): mar.2013
    <http://www.arquivohistorico.sp.gov.br>
    ISSN: 1981-0954



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