PMSP/SMC
São Paulo, março de 2013
Ano 8 N.32 

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  • ENSAIO TEMÁTICO
  • Cinema silencioso no acervo do AHSP

    contribuição para a história da tecnologia de projeção
    da imagem em movimento




    | A legislação como fonte | A projeção | Os manuais | Por fim, os depósitos | Fontes |



    A projeção

    A historiografia sobre cinema no Brasil no período silencioso praticamente não aborda aspectos de desenvolvimento tecnológico do setor. Quase nada se sabe sobre condições de produção ou exibição no tocante aos equipamentos e procedimentos, nem mesmo sobre gestão de salas, aspecto mais afeito ao campo da economia. Quando muito surgem referências a desenvolvedores isolados como Paulo Benedetti (1863-1944), como se a tecnologia fosse aspecto passível de omissão, com suas experiências sobre sincronização de imagem e som no início da década de 1910. Ou, então, as menções aos aspectos técnicos apontam a necessidade regular de improvisação, em especial na produção, sem porém contextualizá-la no campo de uma história da tecnologia.

    O quadro no segmento de projeção é assim nebuloso. São raras os esforços investigativos, mesmo considerando a ocorrência de fontes a partir do final da década de 1910 para falarmos apenas dos projetores profissionais comercializados no país dos quais constituem um registro frequente os anúncios em jornais e revistas, quase sempre associados a inaugurações de novas salas.

    Fonte documental alternativa, mas rara, são os folheto publicitários distribuídos por representações comerciais de equipamentos. Exemplo incomum, identificado pelo pesquisador José Inácio Melo e Souza, foi localizado em processo de compra de projetor cinematográfico destinado a demonstrações científicas no Hospital do Juqueri. O diretor A. C. Pacheco e Silva (1ª diretoria, 2ª seção) encaminha em 25 de setembro de 1926 à Secretaria de Negócios do Interior a solicitação inicial. Em anexo ao processo encontra-se impresso da John Jurgens & C.o., representação comercial com sede no Rio de Janeiro e filiais nas cidades de São Paulo, Porto Alegre, Recife e Juiz de Fora, que apresenta a linha de equipamentos para projeção da Krupp-Ernemann. A diversidade de produtos expostos em quatro páginas (formato A2 aproximadamente) cobre de equipamentos para grandes a pequenas salas. Ali encontramos o projetor Presidente, recomendado para cine-teatros em cidades do interior. O modelo, único a apresentar dados do gênero nesse folheto, permitia a exibição, com as objetivas [Kinostigmatisma] 52,5 mm, em salas com até 25 metros de comprimento, possibilitando uma área projetada de 4 metros de comprimento (acervo APESP/Secretaria do Interior/Hospital do Juqueri/caixa 7004).

    ISSN: 1981-0954



    Mapa e acessos
    Horários de funcionamento
    Links



    *Roteiro para leitura
    Teatro Paraiso, anúncio do projetor, 1924
    Teatro Paraíso, Rua Paraíso.
    Publicidade em jornal do projetor Hahn-Goergz,
    associada ao evento de inauguração.

    Fonte: OESP, 18.05.1924

    Dados sobre a adoção de retroprojeção são pouco usuais. Um exemplo que merece destaque pela excepcionalidade da sala é o caso do Gaumont-Palace, em Paris, construído para a exposição universal de 1900, junto ao hipódromo de Montmartre. Espaço de escala monumental permitia receber até 5 mil espectadores para apresentações de circo, pantominas e outras variedades. Em 1907 passa a receber espetáculos cinematográficos e para isso é instalada uma cabine de projeção em construção isolada, atrás do palco. Quase certo essa decisão foi influenciada pelo incêndio em 1897 no Bazar de la Charité, em Paris, que marca a história da exibição cinematográfica no seu começo com mais de uma centena de vítimas ( veja +) (<http://fr.wikipedia.org/wiki/Gaumont-Palace> em 19.10.2012).

    No caso paulistano, como comentado anteriormente, as preocupações de segurança de modo genérico tendem a estabelecer como prática a localização não apenas da cabine mas de qualquer foco de geração de circulação de pessoas ao fundo das salas. Dessa forma, banheiros e botequins irão se localizar naquele ponto do edifício, à exemplo do que recomendava o fiscal Francisco Pardal para o cinema Bresser em 1913. A prática exigirá no entanto a fiscalizaçãa continua para evitar abusos. Por exemplo, em 1922, prancha para o cinema Rio Branco, à Rua General Osório, indicava um depósito para cartazes junto à cabine de projeção. Na reforma que se segue o local daria lugar a um "alojamento para bombeiros" como inscrito na prancha.

    Um balanço provisório

    Um levantamento sumário a partir dos projetos para novas salas ou reformas na cidade de São Paulo para o período silencioso indica 53 ocorrências de cabines em sistemas de retroprojeção. Os terrenos estreitos na área central serão certamente um dos motivadores dessa solução, como veremos adiante. O grande número de adaptações de edificações também pode ter colaborado nesse sentido. Esses registros, evidenciados em pranchas de arquitetura integrantes dos pedidos de alvarás de licença de funcionamento, tem como data inicial o ano de 1910. É o caso do cine Isis, à Rua do Gasômetro, que em suas inúmeras configurações até 1930 terá presente essa característica.

    Em 1911, registram-se entradas similares para os cinemas American (Av. Celso Garcia), Congresso (Praça João Mendes), Familiar (Rua General Jardim), Liberdade (Rua da Liberdade), Recreio (Barra Funda) e o Skating Palace (Praça da República), local de uso misto que daria origem ao República. Deles, o mais curioso projeto era o do Congresso, com uma sala de exibição no qual existiam camarotes em apenas uma lateral, além de um acesso pouco usual, mas recomendado pela prefeitura, pela sala de espera lateral e não à frende da edificação.

    No ano seguinte, o número de ocorrências é expressivo, desde um circo/pavilhão, sem nome, à Rua Domingos de Morais, aos cinemas América (Rua da Consolação), Avenida (Av.Rangel Pestana), Ambrósio (Rua das Flores), Paris (Rua Apa), Flor (Rua da Conceição), Elite (Rua da Liberdade), Odeon (Rua Duque de Caxias), Odeon (Av.Rangel Pestana, indeferido), São João (Rua da Mooca), Minerva (Rua da Consolação), Paraiso (Rua Vergueiro), Recreio (Lapa), Tripoli (Ponte Pequena), além de um primeiro projeto para a sala que daria lugar ao Santana (Rua Voluntários).

    A expansão de salas parece retroceder nos anos seguintes, mas o predomínio de salas com retroprojeção se mantem. Em 1913, podem ser identificados projetos para Bijou Santa Marina (Rua Guaicurus), Bresser (Rua Bresser), Drolhe (Rua Ituanos), Guarani (Largo do Cambuci), Lapa (Rua Trindade), Roma (Rua Barra Funda) e Royal (Rua Sebastião Pereira). O início da I Guerra Mundial deve explicar a redução de pedidos de construção em geral, mas em 1915 podem ser listados os cinemas Celso Garcia (American, Av. Celso Garcia), com uma sala de espera lateral, Eldorado (Rua Quintino Bocaiuva), Brás Bijou (Av. Rangel Pestana), Flor (Rua Oriente) e o Recreio (Rua Major Diogo). Em 1916 dão entrada pedidos para Eros (Rua Piratininga) e a sala mais tarde ocupada pelo Moderno (Rua da Mooca).

    Já sob a vigência da legislação municipal datada de 1916, registram-se pedidos com sistemas de retroprojeção, certamente com a orientação "congelada" pelo texto legal de favorecer esse posicionamento da cabine. No ano de 1918, o Teatro Avenida, na Rua São João, recebe uma cabine no palco, ocupando a edificação construida em 1906. Até aqui boa parte desses projetos são de salas improvisadas, adaptações de galpões propriamente. As telas são quase sempre estreitas, mesmo em casos de edificações de maior porte. Agora, o número de novas salas diminui e crescem as edificações em porte e volume de investimento.

    Ainda assim o sistema de retroprojeção está presente: em 1920, o Olympia (Av. Rangel Pestana), de grande porte segue esse padrão. O mesmo, em 1922, no Coliseu dos Campos Eliseos (Al. Barão do Rio Branco), ou o Paulistano (Rua Vergueiro) em 1926-1927 e o Oberdan (Rua Xavantes) em 1927. A prática ocorre ainda em 1921, em projeto para sala sucessora do Drolhe (não deferido); em 1922, no Iris (Rua Quinze de Novembro), Rio Branco (Rua General Osório). No ano seguinte, temos o Carlos Gomes (Rua Doze de Outubro); em 1924, o Guarani (Rua da Consolação) e até 1927 os cinemas Brasil (Rua Tabor), Penha (Rua da Penha n.75), Central (Rua General Osório), Carlos de Campos (Rua Voluntários) e Pinheiros (Rua Butantã).

    São ocorrências presumidas de retroprojeção, todas entre 1911 e 1915, devido à falta de indicação de cabine nas pranchas apresentadas as seguintes salas: Savoia (Rua Conselheiro Ramalho), Familiar (Rua Três Rios), Maria José (Rua Major José Bento), Pathé (Rua Rodrigo Silva), São José (Rua Coronel Antonio Marcelo), Edison (Rua Mauá) e Follies Bergeres (Rua Santa Ifigênia), além de duas salas sem denominação à Rua Domingos Morais, e à Rua Voluntários da Pátria, ambas em 1912.


    Surpreendente é a ocorrência simultânea de sistemas de projeção distintas numa mesma edificação. É o caso do Odeon (Rua da Consolação), grande empreendimento multisalas, cuja sala Verde, em 1930, ainda emprega a retroprojeção, com a cabine posicionada no palco, em contraste a sua outra sala. De qualquer forma, esse levantamento sumário procura mais apontar o grande número de ocorrências e sua permanência por longo período. Quase certo, com a entrada do cinema sonoro deve ocorrer uma renovação do parque técnico local de modo abrangente.

    Como veremos adiante além das questões de segurança que ajudaram a estabelecer uma condição que retardaria o abandono do sistema de retroprojeção o motivo principal que gerou essa particularidade tecnológica em São Paulo deve ser de natureza econômica.


    A documentação custodiada pelo AHSP permite detectar ainda o movimento contrário: a mudança de sistema de projeção, com a alteração da posição da cabine. A projeção frontal, ou direta conforme terminologia do período, se impõe. Salas de grande porte conviviam até então com telas diminutas. Com novos equipamentos, telas maiores são praticamente consequência "natural" e desejada para um espetáculo que ganha centralidade na vida social.

    Ainda assim, o número de projetos é menor frente ao conjunto das salas. Em parte é possível especular que muitos pontos de exibição do período silencioso não tem necessariamente continuidade com as alterações do mercado, das demandas. A cidade cresce, novas áreas podem ser mais promissoras. De modo complementar, pontos tradicionais, frentes às novas exigências de consumo, dão lugar a projetos novos e não adaptações onerosas.

    Entre os projetos de mudança de cabine temos oito ocorrências entre 1922 e 1930. Primeiro, o Apolo (Rua Vinte e Quatro de Maio) e o Brás Politeama (Av. Celso Garcia), grandes edifícios que ainda adotam o modelo teatral com camarotes e galerias. Em 1923, os responsáveis pelo Congresso apresentam dois projetos para alteração da cabine. Nesses casos é evidente a dificuldade em posicionar a nova dependência no balcão, gerando problemas de circulação e visibilidade provavelmente. No ano seguinte é a vez do América (Rua da Consolação), para o qual já constava projeto de 1920, e do Recreio (Lapa). Em 1925, registra-se proposta para o Penha (Rua da Penha). O cinema Voluntários, em 1928, recebe uma proposta. E, fica claro, que ocorre ali um aspecto que deve ter sido comum: a alteração da cabine não necessariamente implicou numa tela maior, embora tenham sido possível aumentar o número de assentos. Finalmente, em 1930, encerrando o período em análise, o antigo Pathé Palácio, próximo à Praça João Mendes, será objeto de proposta de mudança de posicionamento da cabine.


    Subsídios para uma história da técnica de exibição

    Além de mapeamento das ocorrências dos dois sistemas de projeção que a documentação permite, tanto no tempo como no espaço da cidade, para não falarmos dos vínculos entre empresas exibidoras, as pranchas de arquitetura possibilitam de imediato definir aspectos como distância da tela (cabine-tela) e largura provável das mesmas. Nessa condição cálculo simples permitiria definir a distância focal das objetivas.

    Sem entrar em detalhes técnicos, podemos nos ater à distância tela-projetor. Observe que as salas médias (e mesmo as de maior porte) indicam um valor entre 11 e 12 metros como no Isis ou no Odeon. Em edificações menores, com palcos pouco profundos, a menor distância exigiria objetivas especiais. Isso poderia implicar em custos maiores ou problemas de fornecimento, o que fazer então? Remover as paredes ! Surgem assim várias ocorrências em que a cabine é simplesmente deslocada para fora da edificação.

    Eros, corte longitudinal,1916
    Cine Eros, à Rua Piratininga.
    Detalhe de corte longitudinal da sala, 1916.

    Sala de bairro característica do período com adoção de ordens de frisas e camarotes
    em galpão adaptado, quase sempre com altura da sala (pé direito) baixo para as proporções gerais, muitas vezes em terrenos surpreendemente estreitos,
    o que não era o caso do Eros.

    Acervo AHSP
    A solução introduzia novos problemas. Em alguns casos, como o do cinema Eros (Rua Piratininga), em 1916 (e também no Guarani, no Largo do Cambuci, em 1913), o afastamento entre cabine e edificação era apreciável. No Iris, em prancha datada de 1922, o afastamento era superior a quatro metros.

    Independente da dimensão desse afastamento, tal partido construtivo impediria em condições normais a projeção diurna. Mesmo no período noturno, não poderia haver fontes de luzes próximas que invadissem o espaço atrás da tela. Essa luz poderia gerar um "flare", um efeito de luz difusa que afetaria a imagem projetada. E afinal como o operador poderia monitorar efetivamente a projeção? Seria de esperar que em termos praticos essa passagem entre as duas construções fosse eliminado com a união física entre os dois espaços.

    Em vários casos, com no Flor (Rua Oriente) ou no Recreio (Rua Engenheiro Fox), a cabine ficava justaposta à parede dos fundos, como volume externo, mas integrado à edificação. Apenas o acesso do operador à cabine ficaria, como indicado pelas normas, isolado da sala de exibição.

    Com o deslocamento da cabine do fundo do palco, ao menos seria possível obter um espaço cênico livre. No entanto, boa parte dessas ocorrências em cinemas de bairro parecem indicar que o uso efetivo dessa área indicada como "palco" era inexistente. Esse uso implicaria por suas vezes em novos problemas: como remover a tela a cada apresentação de palco e garantir ainda as especificidades inerentes como planaridade e homogeneidade da superfície?

    O espetáculo misto com tela e palco, que perdura por quase vinte anos desde meados da década de 1890, parece ficar reservado às grandes salas com modelo teatral e completo aparato como coxias, camarins etc, ou aos circos/pavilhões, modalidade híbrida que perdura em especial na década de 1910.



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    Para citação adote:

    MENDES, Ricardo. Cinema silencioso no acervo do AHSP:
    contribuição para a história da tecnologia de projeção da imagem em movimento.
    INFORMATIVO ARQUIVO HISTÓRICO DE SÃO PAULO, 8 (32): mar.2013
    <http://www.arquivohistorico.sp.gov.br>


     
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