PMSP/SMC
São Paulo, agosto de 2015
Ano 11 N.38 

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  • ENSAIO TEMÁTICO
  • Circo em São Paulo

    a contribuição do AHSP para sua história



    | Das diversões | Da invisibilidade



    Se a interação entre os espetáculos do cinema e do circo, como vimos antes, permitiu pela primeira vez identificar alguma perspectiva para a pesquisa documental sobre o circo no Arquivo Histórico de São Paulo é necessário agora refletir sobre como avançar. Um passo obrigatório é avaliar a legislação municipal pois ela informa o alcance e as áreas de ação do poder local. O enfoque ficará restrito por enquanto ao período republicano, quando a legislação sobre o setor ganha peso efetivamente, bem como as relações entre as esferas do município/cidade e do estado/província, nesse segmento de diversões, ficam mais claras. Grosso modo, os governos locais respondem pela normatização e fiscalização das edificações, e os estaduais pelos aspectos sanitários, segurança pública etc.

    O Circo Olympico chega à São Paulo no dia 5 de junho de 1856, com sua companhia equestre, ginastas e mímicos.

    O anúncio registra o perfil do espetáculo,
    bem como a necessidade dos espectadores mandarem levar, reflexo das condições e costumes sociais, suas próprias cadeiras, com antes ocorria nas igrejas locais.

    Anúncios. Correio Paulistano,
    3 de junho de 1856, p.4.
    Acervo FBN
    CORREIO PAULISTANO, 3 de junho de 1856, p.4 -Circo Olympico


    Ernani da Silva Bruno, em Histórias e tradições da cidade de São Paulo, registra os primeiros marcos do circo na cidade, apenas para registrar o limite temporal:
      Outros divertimentos populares, no período de 1840 a 1860, foram os circos ou companhias de cavalinhos, que armavam suas barracas de lona no largo de São Bento, no do Bexiga (do Riachuelo) ou em algum dos muitos quintais não utilizados pelos moradores. Circos para os quais muitas vezes os frequentadores tinham de mandar levar cadeiras de casa – como se verifica em anúncios do Correio Paulistano de 1856 (27.06.1856). Entre essas companhias de circo foi muito apreciada particularmente a de Antônio Carlos do Carmo, artista brasileiro originária da França.

      BRUNO, E.S. Histórias e tradições da cidade de São Paulo. 2ªed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1954, v2. p.793.

    Avancemos no tempo, para continuar. Pouco mais de dois anos após a proclamação republicana, a estrutura administrativa da municipalidade sofre um processo de revisão ao longo de quase uma década. A legislação municipal a partir de setembro de 1892, de quando data a lei nº 1, cria e recria o conjunto de intendências municipais, como reve ordenamentos de edificações etc. Assim, neste primeiro ato legal, em 29 de setembro de 1892, entre as quatro intendências que compunham o corpo da administração estava a de Justiça e Polícia, tendo entre as atribuições "o que for relativo ... [a] jogos, espetáculos".

    Menos de três meses depois, em 3 de dezembro, o "Regimento interno da Câmara Municipal...", definido pela lei nº 9, estabelece no capítulo II – Da Intendência de Polícia e Justiça, no artigo 160, parágrafo 9, que cabe: "Zelar das bibliotecas municipais, bem como de todos os museus, jardins botânicos e zoológicos, lugares de passeio e de divertimentos públicos que precisem de policiamento." No capítulo seguinte, decidado à Intendência de Higiene e Saúde Pública, artigo 161, parágrafo 5, cabe a ela: "Cuidar da assistência pública, sem prejuízo da ação do Estado, promovendo o saneamento da cidade, dos povoados ou localidades; (...) e inspecionando regularmente todos os estabelecimentos publicos ou particulares onde haja aglomeração de pessoas, como colégios, hotéis, hospedarias, teatros, circos e outros que possam e devam ser equiparados."

    São entre estes últimos – teatro, circos e outros que possam e devam ser equiparados – que se inclui em meros cinco anos o cinema, sobre o qual a edição 15 (2007) do
    Informativo AHSP comenta a legislação. Apenas em janeiro de 1893, dia 20, a lei nº 13, que define receitas e despesas para aquele ano, surgem os primeiros impostos aplicáveis aos espetáculos circenses. Como espetáculo híbrido, as taxações refletem essa diversidade não havendo um item específico:
      Tabela do Imposto de Alvarás, Estacionamento e Localizações
      Espetáculo de cavalinhos artificiais, um... 10$000
      Espetáculo de cavalinhos, ginástica, acrobacia, tauromaquia... 60$000 e 100$000
      Espetáculo de fantasmagoria, presdigitação, quadros vivos e metempsicose, um ...50$000


      (CMSP, 2015, Base de dados Legis)
    Pouco há de explícito sobre o tema nos anos seguintes nos mais diversos aspectos. Em dezembro de 1894, quando a lei nº 121 "modifica o Poder Executivo Municipal", um artigo isolado, de número 12, define que: "O Intendente de Justiça e Policia providenciará para que os teatros e circos sejam iluminados à luz elétrica o mais breve possível".

    Em 1896, porém, a lei nº 252, de 2 de julho, em seus 17 artigos "Declara ser atribuição do Intendente de Policia e Higiene a fiscalização dos teatros e divertimentos públicos". O texto legal chega, então, a ser detalhado e abrangente, cobrindo temas que vão do comportamento do publico à lotação dos locais de espetáculos. Define que nenhum espetáculo será oferecido sem licença prévia do Intendente de Polícia e pagamento de respectivas taxas. Estabelece exame prévio das instalações, mencionando explicitamente entre os locais passíveis de fiscalização os circos, dá ao intendente poder de interdição senão atendidas as "condições de segurança, higiene e comodidade do público", e exige a informação prévia dos dias e horários dos espetáculos e a lotação máxima. Por fim, determina que "todos os teatros" adotem o uso de iluminação elétrica.

    Os circos surgem assim, raramente explicitados, muitas vezes inclusos nos genéricos "divertimentos". Ano a ano, no caso dos impostos, os valores são reajustados ou itens novos incorporados. Assim no orçamento para o ano de 1897, definido pela lei nº 286, de 5 de novembro de 1896, surge a referência direta a circos na "Tabela do Imposto de licenças, estacionamentos e localizações": "Circos para espetáculos, levantamentos em lugares públicos, por mês... 100$000". É, quase certo, que a atividade pode estar sujeita a adicionais, como por exemplo o imposto de ambulantes no caso de vendedores de bilhetes para espetáculos. E, seguindo a mesma linha de pensamento, em normas como a lei nº 375, de 12 de dezembro de 1898, que define taxas mensais para serviço de limpeza (coleta de lixo), com item para "teatros, velódromos e outros congêrenes".

    Nos anos seguintes, refletindo talvez tanto o crescimento de atividades no setor na cidade como uma "ânsia arrecadadora", os orçamentos atuais acabam por desdobrar os tópicos. Em 1900, a lei nº 493, de 26 de outubro, fixa as despesas para aquele ano. A tabela do imposto de licenças, estacionamentos e localizações inclui (observe os espetáculos de cavalinhos, artificais ou não):
      30. Espetáculos de bonecos ou cavalinhos artificiais em teatros, circos, etc., por mês.... 100$000
      31. (….) em casa particular, cobrando entrada, por mês... 50$000
      32. Espetáculo de cavalinhos, ginástica, acrobacia, etc., em circos, compreendido o terreno... 50$000
      Em teatro ou no Politeama... 80$000


      (CMSP, 2015, Base de dados Legis)
    Embora não haja relação direta, a revisão anual de impostos e taxas inclui em 1907, conforme lei nº 1.054, de 12 de novembro, através do artigo 19 que modifica o imposto de publicidade, alteração no tópico "Anúncios de espetáculos em veículos ou animais", definindo novos valores. Não há notícia sobre essa prática pelos circos de então, mas a existência do item merece atenção pois ela não é desconhecida, embora apenas quinze anos depois registrem-se entre nós os desfiles das trupes pela cidade como forma de atrair o público. De qualquer maneira, o ato legal nº 367, de 15 de setembro de 1910, criará ainda uma "taxa de 50$000 mensais para anúncios ou reclames conduzidos por elefantes ou outros animais".


    Regulamentos da esfera estadual, raros, terão incidência na cidade no segmento de espetáculos. É o que ocorre em 1909, quando o decreto estadual nº 1.714 pretende regular os divertimentos públicos estabelecendo normas de conduta para o público e o policiamento. Visam basicamente manter a ordem, mas avançam em tópicos de segurança da edificação, gerando uma contínua tensão quanto a competências em conflito. As normas se aplicam a todos os espetáculos inclusive os circos.
      CAPíTULO IX
      DO POLICIAMENTO
      (...)
      Artigo 50. - Os oficiais, inferiores e praças devem ter sempre presente que o povo se reúne nos teatros, circos e outros lugares para se divertir; e que, assim sendo, se no interesse da ordem e segurança pública são necessárias certas medidas incômodas, devem elas ser tomadas com toda a prudência, mas com firmeza. Calmos, pacientes, mas firmes e enérgicos, devem sempre conservar dignidade na atitude e moderação nas palavras, evitando expressões desagradáveis ou ásperas; devem fazer as observações com delicadeza, lembrar a proibição e executar as ordens com urbanidade.


      (Coleção das leis e decretos do Estado de S. Paulo de 1909. Tomo XIX. São Paulo: Typographia do Diario Official, 1910, p.66-83)
    A citação é oportuna, revela uma intenção de normatizar relações sobre uma experiência social que se torna mais frequente no ambiente urbano do início do século XX e implica em estabelecer regulações de conduta de parte a parte. O texto legal, com mencionado, é abrangente e inclui, às vezes isolados, artigos que tratam também dos espetáculos circenses de então:
      Artigo 85. – Ficam igualmente sujeitas a todas as disposições deste regulamento as companhias equestres, de acrobacia e gìnástica, que trabalhem em teatros ou circos armados.
      Artigo 86. – É proibido, em espetáculo público, utilizar crianças menores de 15 anos em exercicios acrobáticos, equestres ou ginásticos.
      (embora o artigo 84 autorize a figuração acidental de menores nas representações mediante autorização especial)
      Artigo 87. – A autoridade policial estabelecerá as condições exigíveis na prática de sortes de acrobacia em que haja perigo manifesto e imediato para a vida humana.

      (idem, ibidem)
    Data de 1914, de certa forma marcando um panorama de diversões públicas extremamente modificado (em número e diversidade) pela explosiva presença da exibição cinematográfica, num quadro com a presença dos espetáculos híbridos como caracterizados no início deste ensaio, a primeira revisão e consolidação das leis "sobre espetáculos e divertimentos públicos" na capital através do ato nº 701. Consolida-se então toda a legislação entre 1892 e 1912, através de 10 artigos, reafirmando as ações anteriores. Estabelece proibições como tauromaquia e a exibição de animais "bravios e selvagens, ainda que domesticados, nas vias públicas, conforme artigo 6. Quanto a impostos de licença, o tópico circo antes mencionado desaparece, mantendo-se o foco nas modalidades: "Espetáculos de cavalinhos, ginástica, acrobacia, etc" (artigo 10).

    O interlúdio entre cinema e circo, nos pavilhões de zinco, sob a ótica da legislação local estaria destinado ao fracasso. Com a regularização das normas, com ênfase na segurança do edifício e do público, que espaço de manobra haveria para essa arquitetura efêmera e precária? Ao mesmo tempo, os circuitos de distribuição e exibição cinematográficos seguiam caminhos próprios, nos quais, quando muito, restaria um espaço acessório para o "circo para cinema", termo que vimos na parte inicial do ensaio.

    A legislação, no tocante a edificações, mantem no seu desenvolvimento as menções a circos, juntos com teatros e cinemas, seja em edificações permanentes, seja em provisórias (ato nº 849/1916, por exemplo), mas serão os cinemas, agora em nova forma, espaços especializados, que merecem atenção, na tentativa de regular o novo panorama de diversões da cidade. Ironicamente todas as alterações ou novas definições relativas a espaços de diversões, deixam escapar dois tópicos nunca exigidos, em nenhum grau, quanto a circos: obrigatoriedade da oferta de banheiros públicos e segurança contra incêndios. Cabe assim apenas ao zelo eventual dos engenheiros fiscais nas vistorias aos locais a checagem desses aspectos, como indicam os comentários apresentados na primeira parte do presente ensaio. Lembre-se que como construções provisórias dos circos não era exigido a apresentação de pranchas técnicas, quando muito dos pavilhões por seu uso misto para exibição cinematográfica.

    Dessa forma, presentes, mas ausentes a um só tempo, da legislação permanecem os circos. Apenas em 1929, numa cidade que em 30 anos vira sua população se quadruplicar, beirando seu primeiro milhão de habitantes, quando a legislação de obras é revista, resultando no Código de obras Arthur Saboya, instituido em 19 de novembro pela lei nº 3.427, o circo merecerá atenção especial. Mantidas as exigências anteriores, esses espaços serão tema de dois artigos. O primeiro, número 353, que vetará a presença na "zona central", o que corresponde ao que se chamaria então os Centros Velho e Novo; o segundo, número 354, que pela primeira vez faz exigências quanto à segurança. Cinco anos depois, o ato nº 663, que aprova o código, reafirma os mesmos pontos.
      Artigo 354 – Os circos que tiverem de funcionar por tempo prolongado, com caráter quase que definitivo em determinado local, deverão ser construídos em material incombustível e estarão sujeitos às disposições sobre teatros naquilo que lhes possa ser aplicável, a juízo da Diretoria de Obras e Viação.
      Parágrafo único – Poderão ser dispensados da condição de incombustibilidade, se tiverem uma zona de proteção ao redor da instalação de cinco metros, (5m) no mínimo, das edificações vizinhas.


      (CMSP, 2015, Base de dados Legis)
    Adm.Pires do Rio, 1926-1930 - Largo do Paiçandu

    A condição de invisibilidade no recorte documental do AHSP é traço comum a várias temáticas, muito embora o "circo" seja segmento regulado e fiscalizado pela municipalidade.
    Arquitetura efêmera por excelência, montagem precária em grande parte das ocorrências etc são aspectos que acabaram por gerar um registro sumário, quase um apagamento.

    A imagem acima, que integra o álbum Diretoria de Obras e Viação: 1ª Seção Técnica:1926-1930, relativo a obras durante a administração J. Pires do Rio, é assim surpreendente. Em primeiro plano, a escada de acesso às "instalações sanitárias subterrâneas", obra realizada no Largo do Paiçandu, surge quase de forma enigmática, com seu gradil de acesso, cercado pelo gramado.
    Atrás, um "não assunto" se revela: o Circo Piolin, no local que estaria erguido por anos.
    Hoje, ali está o edifício que já abrigou o Cine Paiçandu, entre a Rua do Seminário e
    a atual Rua Abelardo Pinto (Piolin).

    PMSP. Diretoria de Obras e Viação: 1ª Seção Técnica: 1926-1930.
    São Paulo: PMSP/DOV, [1930].
    Acervo AHSP


    Sobre o longo período posterior, numa cidade que avança rumo à metropolização, a presença do circo, a partir de uma leitura das leis municipais, parece enfrentar um apagamento definitivo. Quanto a impostos, aspecto significativo porque revela de certa forma um reconhecimento da atividade, apenas em 1931, o ato nº 285, que estabelece as tabelas, mantem no imposto de licença o tópico: "Espetáculos de cavalinhos, ginásticas, acrobacia, etc" – em circos e teatros, por companhias estrangeiras e nacionais. Seria necessário a partir desse ano, checar outras fontes para traçar as alterações posteriores de impostos relativas à atividade circense e conexas (como publicidade de terceiros nos locais etc).

    Em meados da década de 1930, o ato nº 1.004, de 24 de janeiro de 1936, apresenta nova regulamentação dos divertimentos públicos, após duas décadas da aprovação do ato nº 701. Surge aqui rara observação sobre vistorias, revista e mantida pelo ato nº 1.154, seis meses depois: "Art. 19 – A vistoria nos circos, pavilhões, barracões de lona ou de madeira, será feita bimestralmente e sempre que modificadas as instalações ou transferidas de local."

    As normas posteriores são raras, quando muito de ordem sanitária aplicadas ao conjunto de locais públicos como uso de inseticidas (lei 4.076/1951, decreto 1.500/1951, lei 5.033/1956, lei 7.032/1967) ou a proibição do fumo (lei nº 9.120/1980), etc. Dos textos legais são diretamente relevantes apenas a lei nº 3.707, de 1948, que “isenta de todos os impostos municipais os espetáculos teatrais e circenses" e o decreto nº 2.505/1954, que "regulamenta a cessão de terrenos de propriedade municipal a companhias circenses". Isenções de itens adicionais podem estar presentes em outras normativas gerais posteriores.

    Impacto mais evidente sobre a atividade circense, sem julgamento de valor, ocorre no século XXI, através da regulação numa primeira fase das apresentações de "animais ferozes" (lei 13.595/2003 e sua regulamentação pelo decreto 44.026/2003). Dois anos depois, a municipalidade proibe expressamente a "utilização de animais de qualquer espécie em apresentação de circos e congêneres" (lei 14.014/2005, decreto 46.987/2006, de regulamentação, e decreto 47.803/2006).

    Homenagens e valorizações do segmento surgem tardiamente (excetuando eventuais e raras homenagens nos logradouros da cidade como Ruas Waldemar Seyssel – Palhaço Arrelia ou Abelardo Pinto – Piolin) através da instituição, pela lei nº 12.723/1998 (lei 14.485/2007), do "dia do artista circense e do circo", e a criação em 2010 do Centro de Memória do Circo, através do decreto 51.478, hoje instalado na Galeria Olido, à Avenida São João nº 473 (< memoriadocirco.prefeitura.sp.gov. br>). Nesse mesmo quadro inserem-se as ações de fomento ao circo lançado em 2014 pela Secretaria Municipal de Cultura e a criação, em abril de 2015, pela lei nº 16.162, do Programa Circo Popular, voltado ao ensino das modalidades aéreas, solo, malabares, cama elástica e trampolim acrobático, além de aulas sobre cultura circense, costumes e contexto histórico.


    Existe um conjunto pontual de atos legais, na forma de portarias e despachos, que merecem avaliação, embora não tenham tido desdobramento. É o caso da determinação de estudos sobre incentivo às atividades circenses (Portaria 426/PREF-1975) ou a análise sobre a criação de uma escola de arte circense e um museu do circo (despacho 91.004/PREF-1986), do qual resultou o decreto 22.815/1986 relativo à escola. Quanto a normas de montagem ou cessões de uso, apenas registram-se ordens internas isoladas como grupo de estudo, no âmbito do CONTRU/SEHAB, em 1993, sobre legislação de "parques e circos como locais de reunião", e a portaria 305 (PREF), de 1990, sobre normas de uso de áreas municipais destinadas à instalação de circos.


    Assim, até a criação recente do Centro de Memória do Circo e as primeiras ações de fomento, nada parece ter ecoado as palavras de Yan de Almeida Prado (1898-1987), jornalista e historiador, citadas por Ernani da Silva Bruno, em 1954:
      "Se eu fosse autoridade" – escrevia Ian de Almeida Prado – "proporia que os circos de São Paulo fossem subvencionados. Os Queirolo e Piolim são divertimentos que possuimos a exclusividade, ao passo que a tropa cantante que aqui aparece anualmente já vem estafada e desfalcada de Buenos Aires e Rio, quando não também de Montevidéu. Poderia São Paulo ser a capital do riso como Hollywood é a capital do filme. A Pauliceia poderia se tornar uma espécie de Bayreuth do circo”.
      Prado, Ian de Almeida – Circo de Cavalinhos (Crônica paulistana de 1929) – São Paulo, 1931.


      BRUNO, E.S. Opus cit., v.3, p.1367


    A lei, ora bolas !

    Se para o projeto sobre salas de cinema a legislação municipal estabeleceu uma diretriz de pesquisa, recuperando documentos textuais e gráficos complexos, para o pesquisador sobre o panorama circense, embora estejam os circos sujeitos aos mesmos princípios, os documentos parecem revelar um universo mais árido à primeira vista. Ainda assim, muito inspirado no resultado positivo para as interações entre circo e cinema em São Paulo no início do século XX, foi realizada em 2012 um primeira varredura extensiva sobre a documentação.

    Parte do desafio estava no fato de como acessar os processos! Na ausência de instrumentos de pesquisas que permitissem o acesso item a item, restava apenas avaliar os grupos documentais de maior potencialidade. A opção mais imediata seria o Grupo Edificações Particulares, o mesmo utilizado no projeto Salas de Cinema. A busca exigiria a consulta rua a rua, de forma contínua e demorada, ou, no caso particular, de sabermos da presença de determinado circo, em local e data precisos, tentando recuperar eventual pedido de solicitação. Ainda assim, como pavilhões temporários, seria baixa a expectativa de sucesso.

    Esses encaminhamentos são, ainda hoje, impraticáveis. Duas oportunidades de acesso surgiram então, permitindo uma recuperação extensiva de informações (não dos processos) cobrindo um intervalo longo entre 1915 e 1975 aproximadamente, e rastreando outros conjuntos como o Grupo Polícia Administrativa. O primeiro caminho constituiu-se ao redor dos "livros de protocolos" (livros de requerimentos) da Diretoria de Obras e Viação, a grande unidade administrativa municipal na década de 1910, responsável entre tantos atribuições, por autorizações de obras. Praticamente não utilizados, mas disponíveis agora para consulta, era possível recuperar nesses protocolos os dados relativos ao período entre 1915 e 1925.

    Os requerimentos, tantos de origem interna (outras repartições municipais) como externa, eram enviados à 5ª seção de DOV pelo protocolo geral da prefeitura. São listados então em ordem cronológica, organizados por logradouro. Ao lado de um primeiro número de registro provisório e data de entrada, as solicitações são descritas de forma sumária com nome do interessado, local e solicitação propriamente. Os requerimentos recebem posteriormente um dado adicional: o número de processo, o que permite que seja rastreado.

    Entre o rico manancial de dados que os livros de protocolos e o acesso efetivo aos processos existe uma distância que a pesquisa desenvolvida decidiu conscientemente não percorrer. Os documentos custodiados pelo AHSP não podem no momento serem acessados diretamente pelo número de processo, nem a existência de registro em protocolo implica necessariamente na eventual conservação dos mesmos. Políticas de descarte documental ao longo do tempo, bem como perdas pelas mais diversas razões, podem ocasionar a inexistência de documentos remanescentes.

    Em março de 1922,
    o Circo Pierre é objeto de requerimento solicitando autorização para colocar tabuletas indicando sua localização na Rua Carlos Botelho.

    O registro informal, em papel almaço, apenas com o texto, é característico, sendo exigência da municipalidade introduzida há pouco visando controlar a natureza dos textos e taxar essa modalidade de anúncio.

    Fundo PMSP. [Grupo Polícia Administrativa]. Processo 48.671/1922
    Acervo AHSP
    Fundo PMSP - processo 48.671/1922 - Circo Pierre


    O segundo caminho a percorrer é também fruto do acaso, uma oportunidade. No início da década de 2010, a Divisão do Arquivo Municipal de Processos (CGDP/SMG), responsável pela gestão da documentação posterior a 1921, decidiu transferir os dados presentes no sistema de controle de documentos vigentes entre as décadas de 1920 a 1970, que antecede às primeiras versões de gerenciamento eletrônico, ainda empregando fichas de papel, para uma base de trabalho de uso interno. Esse banco de dados incorporou as informações (interessado, local, assunto) sem tratamento. A decisão parece acertada. Um tópico como assunto exigiria um esforço de longo prazo para uma padronização efetiva.

    As estratégias para consulta foram em parte dadas pela coleta realizada nos livros de protocolos, tanto pela relação de interessados (proprietários ou empresários de circos) como por nome de circos, cuja ocorrência é possível no campo "interessado". Uma consulta suplementar, baseado na historiografia, permitiu ampliar os resultados, numa proporção geométrica. Esse segundo caminho permitiu rastrear documentos relativos a outras unidades administrativas, como Polícia Administrativa, cuja consulta manual seria inexequível a médio prazo.

    Para o período posterior, a partir de meados da década de 1970, fez-se um rastreamento através do SIMPROC – Sistema Municipal de Processos. No entanto, além do declínio da presença do circo frente a outros momentos do século XX, a recuperação deste primeiro sistema de gerenciamento eletrônico utilizado pela municipalidade é severamente restrito para a pesquisa realizada.

    Mas em termos efetivos, o que foi possível recuperar considerando a natureza sumária dos registros, a recuperação ainda mínima dos processos inventariados? Pouco, muito pouco, no qual as exceções comprovam a regra. As ilustrações presentes são raros casos encontrados ao longo da pesquisa. Assim como avançar?


    Criando uma massa de dados

    Um primeira observação sobre o conjunto de informações reunidas é relevante. A fonte constituida pelos diversos grupos documentais do Fundo PMSP tem características "desejáveis" para a pesquisa científica. São registros regulares, relativos a uma cobertura extensa geográfica e temporalmente. A pesquisa permitiu estabelecer, em agosto de 2015, um total de 871 registros, entre 1915 e 1980. É um total temporário. Não inclui nem os processos sobre as interfaces entre circo e cinema comentados inicialmente, quase todas anteriores a 1915, nem portarias de cessões na década de 1990, identificadas há pouco em fontes como a Base Legis, mantida pela Câmara Municipal.

    A natureza dos processos, quanto a complexidade da informação, como comentada, é frágil, pelo número restrito de dados etc. A estratégia encontrada foi estabelecer um primeiro instrumento de pesquisa, que gerasse um adensamento, o referenciamento cruzado e a recuperação abrangente. Esses parâmetros nortearam a criação da base de dados lançada agora. Há necessidade de consulta atenta pois há eventualmente erros de anotações, considerando que muitos interessados eram empresas em turnes pela cidade, indicando endereços incompletos ou dúbios. Um exemplo é o caso dos logradouros – Rua Rodrigues de Barros (processo 09.232/1920) e Rua Rodrigo de Barros (processo 12.160/1920), que tratam do mesmo local.

    Não foi possível avançar, como previsto, para uma transposição desses dados em uma interface cartográfica, que permitisse mapear ao longo desse período a distribuição e deslocamentos dos circos pela cidade, eventuais circuitos descritos por determinadas companhias ou áreas de atuação de empresários, aspectos potenciais do conjunto levantado.


    AHSP-Processo 56.206/1922 - Ricardo Fernandez - passeio
    "Deferido em termos", o texto encima a folha inicial do requerimento apresentado por Ricardo Fernandez em 1922 para que o Grande Circo Norte Americano Schipp [&] Feltus realize um passeio com sua trupe pelas ruas da cidade. Trata-se do único registro oficial dessa forma de divulgação localizado na documentação. Jacob Penteado, em Belenzinho, 1910 (1962, 2003), descreve um desses passeios para atrair o público em outra ocorrência local.

    “Esta licença ya nos fue concedida a 6 y 4 anños atrís, por tratarse de uma presentação elegante e seria" diz Fernandez em sua solicitação.
    A companhia não era uma novidade na cidade. Em 1913, como aponta Vicente Araujo (1981), ela se apresenta no Teatro Colombo em 1 de julho. Desde 1911 já realiza turnês pela América Central, e no ano seguinte pela América do Sul. Sociedade de Edward Shipp e Foy Feltus, ambos se desligaram em 1910 do Barnum & Balley para realizar essas viagens, a primeira por mais de 3 anos.

    Fundo PMSP. Grupo Polícia Administrativa. Processo 56.206/1922
    Acervo AHSP


    Para finalizar, como forma primeira para uma compreensão do potencial dessa ferramenta, traçaremos apenas um comentário a partir de recorte, arbitrário, dos registros. Optou-se, simbolicamente, por avaliar o ano de 1922, dados coletados basicamente a partir do livro de protocolos. Chama a atenção o total de registros: 110 processos, dos quais seria efetivo adotar 104 solicitiações, considerando que parte inclui pedidos de período anterior. Eliminando-se casos com informações genéricas ("diversões" ou "carrossel"), temos 98 processos relativos a vistorias e licenças para "armar" circos.

    Como comparativo imediato temos apenas um inventário possível, a partir de notas na imprensa, realizado por Vicente Araújo, em seu clássico publicado em 1981: Salões, circos e cinemas de São Paulo (Perspectiva). Para o intervalo entre 1897 e 1914, contabilizam-se 114 ocorrências. O primeiro intervalo – 1897-1899 – corresponde a 17 circos referenciados. A década seguinte totaliza 70, numa média de 7 por ano, pouco acima da anterior. O último intervalo coberto indica uma queda, mantendo-se perto da média inicial com 27 ocorrências em 5 anos. A distribuição geográfica ainda está concentrada, em especial na parte inicial da cobertura aos largos de regiões ao redor da zona central como Largo da Luz ou da República, pontos que na década de 1920 não serão mais ocupados, certamente pelo crescimento da cidade e diminuição de espaços para cessão.

    Retomando nossa breve análise sobre o ano de 1922, é possivel conhecer a distribuição temporal dessas solicitações, tomando como referência que os pedidos se referem a solicitações para montagens quase imediatas. Das 104 registros, numa leitura direta, cinco não indicam data precisa ou dizem respeito a solicitações secundárias (derrubar muro do terreno para acesso de público, por exemplo). Para o restante há concentração nos meses de março a maio com 8 a 10 pedidos cada, seguidos por um pico em julho com 12 requerimentos e novamente dois meses - setembro e outubro - com 10 a 13 registros. Sem avaliar, que parcela dos pedidos correspondem a itinerâncias de uma mesma empresa pela cidade, há concentração nos meses de outono e primavera. Algumas ocorrências menores como 4 pedidos em fevereiro e o mesmo número em junho podem refletir a influência de feriados como carnaval (28 de fevereiro), Páscoa (16 de abril), quando a média cai para baixo de 10 pedidos, e Corpus Christi (15 de junho).

    Quanto a empresas itinerando na capital, a fonte utilizada acaba por gerar uma redução do total a analisar, pois apenas 68 registros indicam nomes das companhias. Aqui estão com destaque o Circo Americano, agenciado por Ballesteros & Ciociola, com 7 registros, número excepcional, seguido por 6 entradas para Circo Soares (Pinto Soares, Salvador Soares) e 5 para Circo Pinheiro (Aristides Pinheiro). Segue-se uma relação maior de empresas, aquelas com 4 registros, as companhias Circo Alcebiades (Ballesteros & Ciociola), Circo François (Ballesteros, Florencio Destefano), Circo Olimecha (Salvador & Soares) e Pavilhão Centenário (João François).

    A referência dupla – empresa/interessado – permite identificar que provavelmente parte dos "interessados" atua como agenciadores ou mediadores na relação com a municipalidade. Observe que Ballesteros & Ciociola mediam os Circos Alcebíades (4 pedidos), Americano (7), Cruzeiro do Sul (3), Nerino (3) e Serrano (3), para não mencionar 3 registros de Ballesteros relativo ao Circo François e igual número para Circo Irmãos Queirolo/Circo Queirolo por Manoel Ballesteros.

    Sobre distribuição geográfica e itinerâncias pela cidade, bem como sazonalidade ou periodicidade relativa ao retorno aos mesmo locais, constituem estes pontos perspectivas em aberto, possíveis agora a partir da estratégia de tratar documentos de natureza sumária, não de forma isolada, mas integrados a uma massa densa como forma de agregar valor.


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    Ricardo Mendes

    Pesquisador do
    Núcleo de Produção Editorial/SPD/AHSP

    e-mail: rico@fotoplus.com



    Com o suporte em pesquisa de
    Sueli Noemia Diogo (NPE)








    Para citação adote:

    MENDES, Ricardo. Circo em São Paulo: a contribuição do AHSP para sua história.
    INFORMATIVO ARQUIVO HISTÓRICO DE SÃO PAULO, 11 (38): ago.2015
    <http://www.arquivohistorico.sp.gov.br>

     
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    Ricardo Mendes

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