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PMSP/SMC/DPH
São Paulo, março/abril de 2008
Ano 3 N.17  

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  • ESTUDOS & PESQUISAS

  • Ecos paulistanos da vinda da Família Real para o Brasil


    Os transtornos provocados pelas guerras na Europa, entre os fins do século XVIII e o início do XIX, não poderiam deixar de ter reflexos, cedo ou tarde, na cidade de São Paulo, embora não passasse a Paulicéia de então de uma cidadezinha pacata e inexpressiva.

    Já em 1804, Antônio José da Franca e Horta (gov.1802-1813), detestado pela população como muitos outros capitães-generais por seu voluntarismo e arrogância, havia convocado as pessoas mais gradas e abonadas da cidade para contribuir “espontaneamente” com largas somas de dinheiro. O objetivo era ajudar na recuperação dos cofres reais portugueses, esgotados com o resgate que o Príncipe-Regente D. João (1767-1826) tivera de pagar às tropas francesas para que não invadissem o minúsculo e indefeso Portugal, por ocasião da celebração da paz de Badajoz (1801). A sanha dos franceses não se manteria aplacada por muito tempo e por isso, em fins de 1807, a Rainha D. Maria I (1734-1816), o Príncipe-Regente e sua família, além de toda a corte portuguesa, deixaram o país natal, sob a proteção de uma divisão de esquadra inglesa, refugiando-se no Brasil (fig. n.1).

    01-Embarque da Família Real no cais de Belém, em Lisboa, no dia 27 de novembro de 1807
    Figura 1 - Velha estampa representando o embarque da Família Real no cais de Belém, em Lisboa, no dia 27 de novembro de 1807.

    Fonte: http://pt.wikipedia.org


    Festas públicas em São Paulo no tempo da Família Real

    Para muitos paulistanos da época, a presença da Família Real no Brasil não significou, decerto, senão um aumento de encargos e despesas. Na cidade ainda subsistia resquícios de um multissecular espírito de liberdade e não deve ter sido visto com bons olhos nem a criação de um novo imposto, a Décima Urbana (1809), nem as amiudadas festas reais que a partir de então seriam obrigatoriamente celebradas.

    Desde a segunda metade do século XVIII, os acontecimentos felizes e infelizes relativos à Família Real começaram a ser comemorados, com mais empenho, em São Paulo.Com o restabelecimento da Capitania de São Paulo em 1769, a celebração de datas significativas para a realeza (nascimentos, casamentos, aniversários e mortes) passou a ser uma forma estratégica de impor a presença da coroa lusitana numa região até então conhecida por seu espírito de independência, e uma tentativa de incutir um sentimento de afeição e submissão na população local para com a monarquia portuguesa.

    Como a cidade era pobre, tudo era feito com modéstia e parcimônia. Só em 1793, pretendeu-se adicionar alguma pompa às comemorações realizadas em honra do nascimento da Princesa da Beira, D. Maria Teresa (1793-1874). Fato que parece indicar que naquela altura melhoravam as condições econômicas de São Paulo, em função do ciclo econômico do açúcar. A fixação da monarquia no Rio de Janeiro e a grande extensão da família do Príncipe-Regente fizeram com que as festas públicas se tornassem mais freqüentes e ambiciosas. Quase tudo era executado, como sempre, com recursos particulares, muitas vezes extorquidos dos súditos mais abastados, mas também compulsoriamente pagos pelos negociantes e até mesmo pelos modestos artesãos, por intermédio das corporações dos ofícios.

    No tempo do Absolutismo, as demonstrações públicas de lealdade dinástica eram obrigatórias e a não participação nas festividades implicava em multa e até 30 dias de prisão. Todos tinham de iluminar as fachadas de suas casas à noite, durante três dias sucessivos, e isso devia pesar muito no orçamento familiar da maior parte da população.

    Em 26 de janeiro de 1808, por exemplo, o governador Franca e Horta comunicou ao senado da Câmara de São Paulo que na véspera recebera do Vice-Rei carta noticiando-lhe que era esperada a Família Real, a qualquer momento, na cidade do Rio de Janeiro. Assim, o governador resolveu pedir ao bispo que fizesse preces públicas pela boa viagem dos Príncipes e sua família. Em 10 de março, participava o governador à Câmara que a família ainda não havia alcançado o fim da viagem, devido ao fato de ter-se demorado na Bahia (na verdade, a Família Real desembarcara no Rio no dia 8 de março, mas, antes da invenção do telégrafo elétrico, as notícias demoravam muito a chegar). Como o desembarque era aguardado para breve, foram preparadas extensas festividades para a comemoração de um fato inaudito: a chegada da Família Real à capital do Brasil.

    Os festejos paulistanos estavam previstos para depois da Quaresma, e seriam iniciados no dia 4 de abril. Começariam pela iluminação geral da cidade, tríduo e atos religiosos determinados pelo bispo. Haveria três dias de cavalhadas sérias (fig. n.2) e um dia de cavalhada burlesca, dadas pelos coronéis e tenentes-coronéis dos corpos milicianos. Três noites de encamisadas (manifestação popular em que grupos de mascarados saíam às ruas, empunhando archotes e trajando amplos e compridos camisolões), feitas pelos mesmos cavaleiros, e executadas com iluminação da praça. Um carro triunfal (alegórico) seria oferecido pelos estudantes, que recitariam produções poéticas com temas alusivos ao acontecimento. Três tardes de touradas sérias e outra de tourada burlesca, à custa dos capitães-mores das ordenanças. Três noites de fogos de artifício, à custa dos negociantes da cidade. Três ou quatro noites de ópera, proporcionadas pelo corpo da Legião de Milicianos. Haveria ainda danças e bailados, e diversos carros enfeitados deveriam sair às ruas, precedendo as cenas de cavalhadas e de touradas. As corridas de touros e cavalhadas seriam montadas numa praça a ser construída pela Câmara Municipal dentro dos muros do Jardim Botânico, numa ampla área já aplainada para esse fim, conforme as determinações do governador.

    02-Cavalhadas
    Figura 2 - Cavalhadas. Litografia de Thierry Frères, segundo desenho de Jean-Baptiste Debret, para a edição de Firmin Didot, de 1834.

    Torneio eqüestre que, ao lado das touradas e outros folguedos populares, sempre figurava nas festas reais realizadas em Portugal e no Brasil do século XVII ao XIX. A ilustração mostra dois cavaleiros participantes das cavalhadas realizadas na Corte em 1818, durante festejos da aclamação de D.João VI.
    O cavaleiro da esquerda, vestido de casaca, com o cabelo empoado e chapéu armado, acaba de tocar com a lança uma barquinha cheia de água, suspensa entre dois postes. O da direita representa um cavaleiro mineiro ou paulista, com seu traje típico.

    Fonte:DEBRET, Jean-Baptiste Debret. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1978. 2 v. v.2.


    No princípio de fevereiro de 1809, chegou a notícia de que os franceses se haviam retirado de Portugal. O governador ordenou então que se efetuassem em sinal de regozijo um tríduo de luminárias, três óperas gratuitas no Teatro Público, e uma folia pelas praças e ruas da cidade feita pelas tropas ligeiras, correndo encamisadas. No último dia solene, haveria Te Deum na catedral, cantado pelo bispo, em presença de toda a clerezia.

    A população de São Paulo não sabia, mas enquanto festejava a libertação de Portugal, já os franceses invadiam, de novo, a Metrópole. Só em 20 de maio os franceses seriam rechaçados pela segunda vez do solo luso, com a ajuda do exército inglês.

    Em 1810, foram celebradas na Corte do Rio de Janeiro, as bodas da infanta Maria Teresa, filha mais velha do Príncipe-Regente, com o infante D. Pedro Carlos (1786-1812), de Espanha. Como de hábito, o governador Franca e Horta ordenou que houvesse tríduo de luminárias, sob ameaças de castigo para os que não participassem dos festejos.

    Nesse mesmo ano de 1810, chegaram ao Brasil mais notícias aterradoras da Europa: as tropas napoleônicas preparavam-se novamente para invadir Portugal. Uma vez adentrado em terras portuguesas, o exercito francês encontraria grande resistência, o que o faria recuar em março de ano seguinte. Assim, pela terceira vez, o pequeno país ibérico se livrava das forças de ocupação, mas desta feita se encontrava em verdadeiro estado de ruína. Precavida, a Câmara paulistana, esperando talvez nova investida dos exércitos napoleônicos, decidiu retardar as correspondentes comemorações. Por isso, mandou pôr luminárias por três noites, para celebrar os felizes sucessos do exército de Portugal contra o invasor estrangeiro, apenas no final de 1812.

    Enquanto isso, no Rio, a Família Real prosperava. Em 4 de novembro de 1811, participava o Príncipe-Regente ao capitão-general de São Paulo, Marquês de Alegrete (gov.1811-1813), que Deus fora servido abençoar o enlace dos infantes Maria Teresa e Pedro Carlos. Para comemorar o primeiro neto do Regente, nascido no Brasil, decidiu-se decretar três dias de luminárias na cidade de São Paulo e realizar Te Deum na catedral.

    Em 4 de dezembro desse ano, providenciavam-se os preparativos para que no Largo de São Gonçalo, onde estava situada a Casa de Câmara e Cadeia da cidade, ocorressem os folguedos em comemoração ao nascimento do Príncipe D. Sebastião.

    O primeiro programa idealizado para a ocasião era extenso e nele ressoavam ecos do antiquado gosto barroco, que durante muito tempo dominou a produção artística luso-brasileira. Para custear todos os espetáculos previstos seria necessário recorrer à contribuição pública “espontânea” dos republicanos, povos e corporações dos ofícios. Quinze dias antes do início das festas sairia pelas ruas da cidade um carro puxado por bestas. Nele estaria um arauto fantasiado de Mercúrio, anunciando o bando (anúncio público) oficial, ao lado de outro personagem simbolizando a Fama, a tocar um clarim e sustentar as armas reais na mão direita. Um coro de música, sentado em roda no carro, garantiria um fundo melodioso ao anúncio das festas reais. As funções principiariam pela missa cantada. À tarde, uma série de carros carregados de mantimentos e carne seriam levados à cadeia pública, como dádiva aos presos. À noite, haveria “ópera franca” e assim continuaria até o último dia das cavalhadas. Estas se realizariam no Largo de São Gonçalo (atual Praça João Mendes) e nos intervalos desfilariam carros apresentados pelas corporações dos ofícios. Os carpinteiros exibiriam um carro com um navio, fazendo danças à maruja. Os alfaiates, outro com diferentes danças. Os sapateiros seguiriam com contradanças e “cavalinhos de cestos”. Outros ofícios dariam três noites de encamisadas, etc.

    As festas, tão longamente preparadas, só se efetuaram nos dias 19, 20 e 21 de abril de 1812. E essa protelação ensejou que, ao recontar a história, o historiador Afonso d’Escragnolle Taunay (1876-1858) se confundisse com os fatos, deduzindo que entre novembro de 1811 e abril de 1812 tivessem nascido sucessivamente dois netos reais. O que era naturalmente impossível, já que os pais de ambos seriam os mesmos D. Pedro Carlos e sua real esposa, a Princesa Maria Teresa. Aliás, esse príncipe infeliz pouco depois faleceria, sendo que em 19 de agosto de 1812, o bispo D. Mateus celebrava solenes exéquias em intenção de sua alma.

    O ano de 1816 parecia ter começado bem. Na vereança de 24 de janeiro, o senado da Câmara escolheu uma deputação a ser enviada à Corte para beijar a mão do Príncipe-Regente pela decisão de ter elevado o Brasil à condição de reino. Sem dúvida, era sincera a alegria e gratidão do povo paulistano por esse gesto de tão alta significação política, que de algum modo prenunciava a futura emancipação do país.

    Pouco tempo depois, porém, em 17 de abril, participava o capitão-general Conde de Palma (gov. 1814-1819) a notícia da morte de D. Maria I, rainha do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Ficou então decretado nojo por três dias, e luto por um ano, com um semestre rigoroso e outro aliviado. Ordenou-se fossem cobertas as armas e o estandarte real e os retratos do Paço com fumos (longas faixas de crepes negros pendentes) e mandados confeccionar quatro escudos pretos a serem quebrados oportunamente nos quatro largos mais importantes da cidade, quais sejam: o da Casa de Câmara e Cadeia (Largo de São Gonçalo), e nos Pátios da Sé, do Colégio e do Carmo.

    Era a segunda vez que se organizava esse tipo de cerimônia fúnebre na cidade. A primeira foi realizada em 1777, pela morte do Rei D. José I (1714-1777). Em 1787, houve cerimônia fúnebre pelo passamento no ano anterior do rei consorte, D. Pedro III (1717-1786). Mas nela não se dera a quebra de escudos, por não ser ele o chefe de Estado, e sim sua esposa, D. Maria I. A solenidade que agora teria lugar pelo desaparecimento da rainha seria a última cerimônia fúnebre real realizada no país, pois desde então não haveria mais morte de monarcas ocupando o trono brasileiro. Com a Independência, D. João VI deixou de ser o rei do Brasil (embora pelo Tratado de 1825, com Portugal, tenha ele guardado para si o título de Imperador Titular do Brasil até o fim da vida ocorrido em 1826, fato que é quase desconhecido pelos brasileiros); D. Pedro foi forçado a renunciar em 1831 e seu filho, deposto em 1889.

    Nos locais selecionados para a realização da cerimônia de quebra de escudos, armaram-se arquibancos (que, neste caso, deviam ser estrados) de madeira, recobertos de baeta negra. Os escudos seriam quebrados em 20 de abril de 1816 em presença dos vereadores, envoltos em capas de baeta preta compridas até o chão, cobertos de chapéus desabados, aos quais se atavam fumos caídos, e varas pretas à mão. Também as montarias das autoridades municipais estariam recobertas de baeta negra.

    A procissão formada pelos vereadores e outras autoridades, todos no mais rigoroso traje de luto, encaminhou-se a cavalo para o centro de cada um dos logradouros. No Largo de São Gonçalo, o vereador mais velho desceu da montaria e subindo no arquibanco proferiu em altas vozes:
      - Chorai Nobres, chorai Povo, que é morta a Augustíssima Rainha D. Maria I, do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve.
    A seguir, partiu o escudo e atirou os fragmentos ao chão. A tropa formada desferiu então três disparos. A cerimônia lutuosa se repetiu nos demais locais escolhidos, com uma autoridade diferente participando da quebra escudos. Nos três dias de nojo que se seguiram, o comércio esteve fechado e as pessoas foram obrigadas a ficar dentro de casa com portas e janelas fechadas. As transgressões seriam passíveis de multa e a reincidência implicava em multa e cadeia.

    O luto pesado, no entanto, foi interrompido cinco dias depois para o Te Deum em comemoração do aniversário da Rainha Carlota Joaquina (1775-1830), que já na Europa vivia separada do marido, por ter tomado parte de uma tentativa de golpe contra ele, durante sua Regência (1805).

    Só em 22 de junho o bispo celebrou a missa pontifical e mais exéquias pela alma da rainha falecida. E já no mês seguinte, duas princesas reais partiam para a Europa. A Princesa Maria Isabel (1797-1818) iria casar-se com o Rei de Espanha, Fernando VII (1784-1833), e a Princesa Maria Francisca (1800-1834), com o irmão do rei, o Príncipe D. Carlos (1788-1855). Para comemorar o duplo casamento, o senado da Câmara fez celebrar Te Deum na catedral em 12 de outubro. Aproveitando a ocasião, comemorou-se também o aniversário do Príncipe Real D. Pedro (1798-1834), nosso futuro imperador, então com apenas 18 anos de idade. Como em todas as datas alegres oficiais, os vereadores compareceram “de capa e volta, com bandas de seda branca, meias brancas, colete de setim branco, e o mais tudo de preto, plumas brancas nos chapeus” (figs. n.3 e 4).

    03-Bando anunciado em lugar público na presença do Senado da Câmara
    Figura 3 - Bando anunciado em lugar público na presença do Senado da Câmara incorporado, sob o estandarte real e em traje de gala.
    Litografia de Thierry Frères, segundo desenho de Jean-Baptiste Debret, para a edição de Firmin Didot, de 1834.

    Muito embora na ilustração o bando esteja sendo anunciado na Corte, podemos notar que os vereadores a cavalo portam o mesmo uniforme de gala descrito na documentação camarária da cidade de São Paulo.

    Fonte: DEBRET, Jean-Baptiste Debret. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1978. 2 v. v.2.


    04-Membro de Câmara Municipal em traje de gala
    Figura 4 - Membro de Câmara Municipal em traje de gala.
    Aquarela de autoria de Jean-Baptiste Debret.
    Nesta ilustração não reproduzida pela edição de Firmin Didot (1834), observamos melhor o tipo de traje que os funcionários das Câmaras Municipais brasileiras usavam em dias de festa, desde o século XVIII. Segundo Debret, o traje de gala dos vereadores e de outras autoridades municipais era constituído de casaca preta, colete e adornos brancos bordados a ouro e prata, meias de seda branca, capa de seda preta com gola e abas brancas bordadas com ouro e prata; o chapéu preto, levantado à frente à Henrique IV, era guarnecido de penas brancas, três das maiores recaindo sobre a dobra do chapéu. Usavam ainda bofes de renda, botão (no chapéu, provavelmente) e presilhas (nos calções, na altura dos joelhos) de diamantes.

    Fonte: DEBRET, Jean-Baptiste. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1989.


    Em 1817, foi celebrado no dia 6 de abril o ato solene do levantamento e juramento de preito e vassalagem ao Rei D. João VI. Imediatamente, após receberem comunicado desse fato, os vereadores instituíram os costumeiros três dias de festas, desta vez à custa do próprio governador. A Câmara só contribuiria com a cera a ser gasta nas cerimônias religiosas.

    O programa era o de sempre: tríduo acompanhado de sermões, três tardes de cavalhadas, uma de danças, com iluminação na praça de touros, outra de pirotecnia, que esteve a cargo do engenheiro militar português Pedro Daniel Muller (c.1785-1841). Muito provavelmente, foi nessa ocasião que ficou esse militar encarregado também de construir uma praça de touros, feita às custas de particulares e da Câmara. Teria sido esta a primeira vez que as touradas se apresentaram na parte nova da cidade, na Praça da Alegria, desde então denominada Largo dos Curros, hoje Praça da República. Spix e Martius, naturalistas alemães chegados na cidade de São Paulo em 31 de dezembro de 1817, teriam a oportunidade de conhecer a estrutura circular de madeira armada para esse fim, conforme projeto de nosso engenheiro militar mais famoso.

    Para mais abrilhantar os festejos, os habitantes foram obrigados a limpar suas testadas e a repintar as fachadas de suas casas. As ruas pelas quais passaria a procissão especialmente organizada para a data deveriam estar convenientemente juncadas de flores e folhas aromáticas, sob pena de multa e prisão. E, excepcionalmente, foram decretadas quatro, e não três, noites de iluminação (de 6 a 9 de abril), à custa dos moradores.

    Em 7 de maio desse ano foi divulgada a notícia de que D. João VI mandara adotar novas armas para a sua monarquia: esfera armilar de ouro em campo azul, unida ao escudo do antigo brasão do reino português, que se inscreveria na mencionada esfera (fig. n.5). À Câmara cabia arcar com os gastos de substituir seus sinetes, estandartes, selos, reposteiros, etc.

    05-Bandeira do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, 1816

    Figura 5 - Bandeira do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, 1816.

    A esfera armilar, antigo instrumento astronômico em cuja constituição entravam anéis metálicos representando círculos da esfera celeste, aplicado em navegação, foi sotoposto por D. João VI às armas de Portugal (cujo escudo retomou o tradicional formato português, de ponta redonda), numa bandeira retangular de fundo branco, para simbolizar a união do Reinos de Portugal e Algarves com o Reino do Brasil, conforme decreto de 13 de maio de 1816. Encimando o conjunto heráldico, a coroa portuguesa, de desenho característico (coroa real, fechada, forrada de um barrete vermelho, com cinco hastes e perfil muito baixo).

    Fonte: http://www.tuvalkin.web.pt


    Após o término do luto aliviado pela finada Maria I, foram anunciados os esponsais de D. Pedro com a arquiduquesa austríaca Leopoldina (1797-1826). Esse casamento era fruto de uma ousada manobra política de D. João VI, que pretendia se afastar da excessiva influência britânica e se aproximar das demais nações integrantes da Santa Aliança. Para comemorar tal enlace, houve Te Deum na catedral paulistana no dia 15 de junho de 1817.

    As atividades festivas de costume, entretanto – cavalhadas, touradas, encamisadas, iluminações, e assim por diante –, assim como um outro Te Deum, seriam deixadas para o fim do ano, entre os dias 12 e 14 de dezembro, depois de haver sido realizado o matrimônio principesco por procuração em 13 de maio daquele ano na Europa e de ter chegado a Princesa Leopoldina ao Brasil em 5 de novembro.

    No início de 1818, estava a Câmara paulistana às voltas com as dívidas contraídas com os sucessivos gastos provocados pelas festas reais. E logo chegou a notícia da aclamação de D. João VI. Como é sabido, os reis da Dinastia de Bragança não eram coroados, mas simplesmente aclamados, na esperança de que um dia o Rei D. Sebastião (1568-1578), desaparecido com a coroa na Batalha de Alcácer-Quibir, retornasse vitorioso...

    Para celebrar a aclamação do novo rei, era necessário fazer mais gastos, embora a Câmara não tivesse conseguido pagar ainda os relativos aos festejos anteriores. As festas foram marcadas para depois da Páscoa. O governo interino da Capitania fez remanejamentos de recursos e emprestou dinheiro à Câmara para que ela se encarregasse das novas despesas. Spix e Martius, que ainda estavam na cidade, assistiram à corrida de touros que fez parte desses festejos.

    Em 4 de abril de 1819, houve a participação do nascimento da primeira filha de nosso futuro Imperador, a Princesa da Beira, D. Maria da Glória (1819-1853), depois Rainha de Portugal. Diante das dificuldades econômicas, houve somente três dias de iluminação e solene Te Deum na catedral.

    Ainda em 1820, encontrava-se a Câmara de São Paulo às voltas com a liquidação de contas dos festejos da aclamação de D. João VI. E logo no ano seguinte, novo príncipe real nascia. Na oportunidade, o capitão-general João Carlos Augusto de Oyenhausen-Gravenburg (gov.1819-1822) reparou à Câmara que desde o matrimônio dos Príncipes D. Pedro e D.Leopoldina e o nascimento da Princesa da Beira não houvera festas, cavalhadas reais e outros eventos comemorativos. Tornava-se, portanto, obrigatória a realização de festejos à altura do feliz acontecimento, o nascimento do segundo filho homem de D. Pedro, já que o primeiro morrera logo após o nascimento. Mas a criança nascida em 6 de março de 1821, também poucos meses viveria.

    Em 12 de outubro de 1821, houve três dias de iluminação e Te Deum em ação de graças pelo aniversário natalício de D. Pedro, agora Príncipe Regente do Brasil. A Revolução Liberal do Porto estourara no ano anterior e D. João VI retornara às pressas para Portugal em 26 de abril de 1821, deixando o filho em seu lugar. Um ano depois da celebração do Te Deum pelo natalício do Príncipe, estaria ele sendo aclamado Imperador do Brasil.

    Mais três festas régias seriam ainda comemoradas na cidade de São Paulo em 1822. As derradeiras: o aniversário da Princesa Real D. Leopoldina (em 22 de janeiro); o Dia do Fico, com tríduo na catedral e três dias de iluminação (de 21 a 23 de fevereiro), e o nascimento da infanta D. Januária, em 11 de março, comemorado com Te Deum e luminárias entre 28 e 31 de março.

    A partir daí não haveria mais clima para comemorações reais em São Paulo. A crescente animosidade entre as Cortes Constituintes de Lisboa e o governo do Brasil, as ocorrências da Bernarda de Francisco Inácio e a reação irada do Príncipe-Regente à essa insurreição devem ter, certamente, ocupado a mente de todos os paulistanos. Só na noite de 7 de setembro de 1822, seria realizada uma emocionante solenidade de caráter espontâneo no teatrinho de Ópera de São Paulo, na qual D. Pedro foi saudado como o primeiro rei brasileiro, por ter, à tarde, às margens do Riacho Ipiranga, declarado, finalmente, a Independência do Brasil do Reino de Portugal.



    Eudes Campos




    Bibliografia

    • SPIX, J. B. von ; MARTIUS, C. F. P. von. Viagens pelo Brasil, 1817-1820. Belo Horizonte e São Paulo : Itatiaia e Edusp, 1981. 2v. v.1.

    • TAUNAY, Affonso de E. História da cidade de São Paulo no século XVIII. (1765-1801). Iª parte. São Paulo: Divisão do Arquivo Histórico, 1951.

    • ______. História Colonial da Cidade de São Paulo no século XVIII (1801-1822).v.3. São Paulo: Divisão do Arquivo Histórico, 1956.


     
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