• ESTUDOS & PESQUISAS

  • ANEXO - edição (7): jul/ago.2006



    1917: os olhares de um empresário e do chefe do executivo municipal


    Damos abaixo a descrição da greve de 1917 na ótica de W. G. Macconnel, então superintendente da Companhia Light & Power. Apesar dos graves distúrbios ocorridos na cidade de São Paulo, a companhia de capital anglo-canadense havia-se saído muito bem: com poucos danos materiais e sem dar o aumento de salário reivindicado por seus trabalhadores.

      Como sabe, as condições [econômicas] são ainda muito instáveis. Se industriais diferentes forem capazes de assegurar a matéria prima necessária, teremos crescimento. Infelizmente, uma certa quantidade dessa matéria prima é importada, e se ela faltar, algumas fábricas terão de fechar, disso resultando recessão. Há umas poucas novas indústrias começando e muitos artigos que eram importados estão sendo fabricados aqui; tudo isso aumenta o poder de consumo e a oferta de trabalho, os quais por sua vez aumentam a prosperidade da Companhia.

      A única ocorrência fora do comum durante o ano foi a greve ocorrida em julho, quando por três dias nossos carros, subestações, etc. foram as únicas instalações industriais que se mantiveram em atividade. Durante os meses inteiros de junho e julho, tornaram-se cada vez mais críticas as condições de trabalho. A alta do custo de vida, aliada ao fato de muitas fábricas terem reduzido os salários durante o ano anterior, quando as condições eram ruins, e de não os terem melhorado quando as condições assim o permitiram, tornou possível o consenso de toda a força de trabalho existente na cidade. O elemento germânico provavelmente exerceu também uma certa influência na agitação ou propagação dessa interrupção do trabalho operário. O resultado foi que, depois de semanas de agitação, em 12 de julho, parou todo o parque industrial da cidade. Não somente as tecelagens, mas toda a indústria e comércio, mesmo as padarias, os armazéns, a construção civil, as oficinas de consertos, as entregas de gêneros alimentícios, etc.

      Naquela manhã, fomos capazes de manter o serviço de bondes até por volta das 10 horas, quando uma multidão composta de grevistas, rapazes e moças desempregados
      [acréscimos em outra cor] tomaram o controle da situação, e nós fomos obrigados pelas autoridades a retirar os carros das ruas. Reclamei às autoridades, mas me foi assegurado que nada poderia ser feito. Finalmente, depois de uma reunião com o Prefeito e o Presidente [do Estado de São Paulo], conseguimos proteção da polícia, tanto que na manhã seguinte tínhamos cerca de 60 carros rodando. De início, a proteção foi insuficiente e os grevistas começaram a arrancar nossos homens dos carros. Reclamei novamente, e os soldados tiveram ordem de atirar em qualquer um que prejudicasse o serviço.Um homem foi morto na plataforma dianteira de um dos carros na Rua Augusta, o mesmo acontecendo com outro na Rua Oriente. Isto realmente fez cessar toda e qualquer obstrução, e a partir daí o número de carros em circulação foi aumentando, tanto que no domingo, dia 15 de julho, estávamos praticamente em pleno serviço. Nossas agências foram atacadas por grande multidão e forçadas a parar. Como fizemos isso de modo pacífico, não houve danos. A subestação principal também foi atacada, mas tivemos proteção policial suficiente para evitar depredações. As mesmas táticas foram tentadas na estação terminal da Freguesia do Ó, mas conseguimos obter proteção policial a tempo de manter essa estação em operação, de maneira que durante todo o tumulto fomos a única organização industrial ou comercial em São Paulo trabalhando de quarta-feira a domingo. Os trabalhadores exigiram de 20 a 40% de aumento em seus salários, e várias indústrias, cotonifícios, tecelagens de juta, fábricas de sapatos, etc. concederam de 15 a 25%. Nossos homens fizeram algumas exigências, mas fomos capazes de persuadi-los de que estavam sendo muito bem remunerados e que nas condições presentes era impossível à Companhia dar aumento geral, de modo que fomos a única organização industrial a permanecer em atividade durante esse período, como também fomos a única que não se viu forçada a dar aumento de salário; o único gasto adicional foi o bônus que concedemos aos motorneiros e mecânicos por terem mantido os carros em circulação durante os dias de paralisação. Houve poucos danos materiais; os dois ou três carros tomados nas ruas tiveram janelas, luminárias e cortinas danificadas, mas nosso tipo de carro [carro com laterais abertas] não é o mais adequado para ser destruído por multidões. Algumas janelas acabaram quebradas em garagens e subestações, mas todo o dano material não ultrapassou cinco contos. Nossas principais perdas foram as de receita, calculadas por volta de 75 contos nos bondes e 100 contos em luz e força.

    (Excerto do Annual report de 1917, assinado por W.G. Macconnel e submetido ao Vice- Presidente da Tramway, Light & Power Co. Ltd. , no Rio de Janeiro, p.1-3. Documento datilografado e datado de 24 de janeiro de 1918, depositado nos arquivos da Fundação do Patrimônio Histórico da Energia e Saneamento. Traduzido por Eudes Campos a partir das anotações feitas por Ricardo Mendes.)



    Também o prefeito Washington Luís fez menção em seu relatório de 1917 à grande greve ocorrida em meados daquele ano. Não se deteve, contudo, na greve em si, na tentativa, decerto, de minimizar a importância do movimento popular. Preocupou-se, isso sim, em eximir-se da responsabilidade de controlar os preços dos gêneros alimentícios na cidade, uma das principais reivindicações dos grevistas, atribuindo toda a responsabilidade dessa ação à esfera federal.
      O custo de vida, porém, encareceu consideravelmente aqui, como em toda a parte civilizada do mundo.

      S. Paulo não se poude furtar ao regimen commum, creado pela extraordinaria güerra antes européa, hoje mundial.

      Esse estado de cousas produziu paredes operarias no correr do mez de julho, tendo acarretado a suspensão do trafego da Light durante algumas horas e a matança de gado, nos matadouros, durante um dia. Medidas acertadas, porém, normalizaram promptamente esses serviços municipaes.

      A alta dos preços em todos os generos de commercio tem beneficiado, é verdade, a uma parte dos agricultores, dos industriaes e dos commerciantes. Algumas classes, porém ,muito têm soffrido com isso. Dentro da esphera de sua acção, tem a municipalidade procurado minorar essa situação.

      O estabelecimento e a multiplicação dos mercados livres
      [feiras livres], com isenção de impostos para os generos nelles vendidos; a construcção e a conservação de muitas estradas de rodagem, para communicação com o centro da construcção na zona rural para barateamento da habitação; a facilitação do commercio de carnes verdes, com a abolição do monopolio do Matadouro Municipal, até com prejuizo das finanças municipaes, são medidas municipaes que estão em vigor e que concorrem indubitavelmente para a melhoria da vida no nosso municipio.

      É necessario fomentar a producção na extensa zona rural, e para isso temos nos esforçado todos.

      A criação
      [sic] de porcos deve merecer toda nossa attenção, em vista de se ter estabelecido aqui grande frigorifico [Frigoríficos da Armour], destinado a uma matança diaria de 5.000 suinos.

      Como tive occasião de vos dizer em officio de 16 de julho, continúo a pensar que não deve e não póde ser tomada medida municipal que estabeleça o preço maximo pelo qual os generos alimenticios sejam vendidos em São Paulo. Não entrando na discussão da legalidade da medida, por parte da Municipalidade, e, portanto, da obediência que a ella prestariam os commerciantes, penso que por inconveniente não deve ser ella adoptada.

      São Paulo não é um municipio productor; a não ser as hortaliças dos seus arredores, todos os generos alimenticios vêm de outros municipios; si se estabelecer aqui um preço de venda abaixo dos altos preços porque estão sendo vendidos os generos nos municipios de producção, é bem claro que nenhum productor, que nenhum negociante trará mais os seus generos para os vender nesta cidade, porque terá a certeza de aqui vir perder o seu dinheiro.

      Assim, continuando as mesmas necessidades para acquisição de generos, continuando por consequencia a mesma procura, mas diminuindo ou desapparecendo a offerta é incontestavel que os preços subirão de valor, sendo contraproducente tal medida, que só virá aggravar a actual situação, perturbando ainda mais a vida de todos os habitantes da cidade de São Paulo.

      Os generos de consumo, aqui necessarios, sendo produzidos em outros municipios, fóra de nossa acção, e até em outros Estados, fóra da acção do poder estadual, não estão sujeitos ás nossas medidas para diminuir-lhes os custos de producção e de transporte e chegarem mais baratos ao nosso mercado de consumo.

      Por outro lado, si a Municipalidade entrasse a comprar generos para os revender com prejuizo, seria uma aventura que ninguem aconselharia.

      Mesmo as medidas contra açambarcadores, tomadas pela Municipalidade, não podem produzir grandes resultados, visto que as compras, os açambarcamentos serão feitos em outros municipios, em outros Estados, fóra da nossa acção. Contra elles teria a Municipalidade a limitação do preço, que os afugentariam daqui, com prejuizo para São Paulo, como já demonstrei ser isso altamente inconveniente.

      Isto significa que medidas de tal natureza, medidas excepcionaes para prover a subsistencia commum, podem e devem ser tomadas nos momentos excepcionaes como o que atravessamos; mas devem ser tomadas por poder que se estenda a todos os municipios e a todos os Estados, para regular os preços maximos da producção, os dos transportes e a sua effectividade, e os de consumo e as suas quantidades, providenciando para que chegue a todos o que todos precisam.

      Medidas locaes não remediam as localidades, antes prejudicam-n’as, fazendo dellas afastar-se os generos, que vão encontrar melhor remuneração em outras partes. Para serem uteis, essas medidas têm que ser geraes, têm que partir do governo federal. Isso já foi comprehendido pelo poder federal que creou o Commissariado de Alimentação Publica, cujo nome Alimentação Publica, bem mostra que a sua acção não se restringe á municipalidade da capital federal, e que se deve estender a todas as partes do Brazil.

      Elle, só elle, e mais ninguém no Brazil, póde dar solução ao caso, usando das faculdades geraes, extraordinarias, excepcionaes que deve ter e, que são a razão de ser da sua creação e do seu funccionamento.

    (SOUSA, Washington Luis Pereira de. Relatorio de 1917 apresentado á Camara Municipal de São Paulo pelo Prefeito Washington Luis Pereira de Sousa. São Paulo : Casa Vanorden, 1918. p. VIII e IX.)






     
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